E agora, José, o que faço com este elástico tão esticado?

sábado, 03 de outubro de 2015

Noutro dia, numa livraria, folheando livros, algo me ocorreu: qual o preço de uma obra literária? Certamente, há uma variação, tal qual acontece com os quadros. Um livro para o público adulto pode custar em média, digamos, R$ 50,00. Para o público infantojuvenil, R$ 30,00. Os quadros são únicos, portanto, custam mais. Já os livros, reproduzidos em pequenas e grandes tiragens, têm um custo menor. Bem, vivemos numa economia capitalista em que tudo é quantificado em cifras. Mas, cá penso eu, será que o trabalho do escritor, que emerge da sua sensibilidade diante dos fatos da vida, realmente, pode ser assim quantificado?

Vamos lá. Para manifestar-se através de um texto literário, o escritor percorre diversas etapas de um processo criativo e desafiador. A começar pela captação de diversos elementos da sua experiência, enquanto pessoa única, sujeitada a todos os embates existenciais, em que busca a essência das situações e a profundidade dos sentimentos em todas suas dores, possibilidades e esperanças. 

Meus amigos, escrever sobrevém do seu espanto! Da sua surpresa diante do inusitado. Da sua incapacidade de se acomodar ante o quotidiano esperado e inesperado. E o que motiva um escritor a se revelar? Ah, ele poderia fazer tantas outras coisas, como construir casas ou desenhar roupas. Cozinhar. Limpar vidraças. Mas, por alguma razão, decide preencher folhas de papel em branco, registrar suas impressões, seja através de contos, crônicas ou poesias.  É uma tarefa difícil e intensa. Sofrida. Digamos, arriscada. O escritor não escreve para si e nem guarda em cofres suas ideias. Escreve para o outro. E, como, o seu leitor, sedento de captar mensagens, vai assimilá-la? Degustá-la? Que interferências seu texto pode causar na vida de quem o lê? Isso quer dizer que o escritor é responsável pelas suas ideias. 

Muitas dessas questões apenas sua alma pode responder. Ou seja, a tarefa de escrever vai além dos limites corporais. Em Cartas a um Jovem Poeta, Rilke ressalta que a alma do escritor se nutre das mais sensíveis percepções e se faz escutar. Nada lhe é banal. Sua alma tem canteiros nos quais cultiva ideias, histórias e fatos significativos.

Porém, não é suficiente descrevê-los ou contá-los de qualquer forma. É preciso fazê-lo com arte, recorrendo a um tal encantamento, capaz de sequestrar o leitor através da forma mais poética, lúdica ou argumentativa.

Continuo a esticar meu pensamento. Além de tudo, é um fazedor de arte. As civilizações, quando se extinguem, deixam a arte como herança para o futuro e ela sobrevive aos vendavais. Não perece ao tempo. 

Meu leitor, a literatura faz parte da cultura e vai se redesenhando como as águas que corre no leito do rio, que nada tem de linear. Quero dizer que a cultura reconstrói a todos os momentos seus significados, que faz com que as manifestações artísticas os expressem e se entrelacem em diferentes linguagens. E, assim, a literatura, vai se construindo, quase que espontaneamente, porque o homem não suporta se calar diante do que desponta. E do que o desaponta. Escreve por sorrir. Escreve por chorar. Por amar. Escreve por existir. E para não desistir!

E ainda encontro argumentos nestes meus pensamentos compridos para compreender o valor de um livro. Quem escreve não consegue manter apenas para si a imensidão do seu universo interior, local em que sua alma habita. Tão diverso e surpreendente, não cabe dentro do seu frágil corpo físico; fica apertado entre seus braços e unhas, olhos e dedos. Tanto sobrando sob a pele, que acaba saindo através de palavras. Palavras doces, críticas, chorosas. Apaixonadas. Sérias ou arteiras. Rebeldes!

Mas as palavras têm uma magia espetacular, que nem o abracadabra das fadas a realiza. Somente os escritores, depois de muito trabalho, fazem um curioso feitiço: com as mesmas palavras, escrever poemas, cartas, reportagens. Um diário. Um ensaio. Um conto. As frases feitas com arte literária usam palavras exatas de modo que cada uma possui significado próprio e função específica no texto. E, ela, somente ela, tem a capacidade de fazer o leitor pensar, reformular-se e tornar-se uma pessoa diferente. Quem sabe melhor. E essa exata e bendita palavra está nos campos do seu imaginário, onde suas metáforas, argumentos e reflexões gostam de se bronzear ao sol. Estão também guardadas nas folhas dos dicionários. E o escritor, num trabalhado quase compulsivo e com esforço árduo, consegue encontrá-la. Pinçá-la, para melhor dizer.

E tem mais uma delicada questão que o escritor tem que lidar: a inteligência do leitor. Oxente, nunca deve subestimá-la! Os leitores são pesquisadores e críticos; querem ler algo além do que já sabem. Não gostam de acalantos. Os afagos, repudiam! Eles, até os pequeninos, querem ser alimentados com perspicácia e conhecimento, clareza e gentileza. Fantasia. Beleza.

E agora José? Minhas reflexões tanto se alongaram que ficaram esticadas que nem elástico e não posso soltá-las ao vento. Pois se o fizer, o que vai acontecer com a questão que teceu este texto: qual o valor da literatura? 

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