Cirandas e camafeus

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

E o tempo levou... as cantigas de roda, as cirandas, os cravos e as rosas. Deixamos levar. Não fechamos a chave das portas, o trinco das janelas, nem amarramos com barbante a tampa das caixas em que guardamos lembranças. Ficaram brechas pequenas como o buraco da agulha de crochê. E o tempo passou como suave brisa e carregou o jeito gostoso e folclórico de brincar.Ah, o tempo não retorna; nem canta:

Vamos dar a meia volta,
volta e meia vamos dar.

Tempo é tempo, como caranguejo peixe é. Vai sempre em frente. Passa.

Passa, passa gavião
todo mundo é bom.

O tempo leva, mas deixa o registro que fica vivo no presente, não permitindo o passado ser esquecido. E, vivo, enriquece o que os novos tempos trazem.

Somos ricos, ricos, ricos
de marré, de marre de si.

As cirandas são brincadeiras infantis, enquanto momentos lúdicos e musicais, muitas vezes coreografados. Oferecem à criança a oportunidade de conviver, de respeitar as regras, de conhecer a expressão cultural do seu povo.

Capelinha de melão é de São João:
é de cravo, é de rosa, é de manjericão.

Além do mais, suas letras mostram como a língua portuguesa pode ser empregada de maneira graciosa.

Pequeninos somos nós.
Nossa vida é brincar.
Nessa hora de alegria,
passaremos a cantar:
Carneirinho, carneirão,
cabecinha de algodão.

Com simplicidade, chamam atenção para as delícias do brincar sem os apetrechos eletrônicos. Apenas suscitam o viver em coletividade, o gesto de dar as mãos, de cantar, pular e dançar.

Onde está a Margarida,
ô lê, ô lê, ô lá,

As cantigas de roda são melodias que fazem a criança cantar e mostram as coisas da vida com tamanha delicadeza. Se todos os dias nos movimentamos as cantigas fazem questão de mostrar a beleza do ir e vir.

Fui no Itororó beber água, não achei.
Achei bela morena que no Itororó deixei.

Outro valor das cantigas de roda é a tradição cultural. Vão de geração a geração, fazendo a interação entre os mais velhos e os mais novos, os quais passam para os filhos, os netos, até aos alunos os costumes, as crenças, as brincadeiras. Inclusive as comidas.

Castanha ligeira que vem do Pará
No meio da roda, ninguém te achará.

As cirandas valorizam o brincar pelo brincar, uma vez que habitam o momento do dia em que nada mais se faz, a não ser brincar. Eu mesma me lembro de como gostava do recreio do meu colégio quando um grupo enorme de meninas brincava de roda. Se na sala de aula havia algum desentendimento, ali, de mãos dadas, tudo se resolvia. Hoje, mais de quarenta anos depois, nos encontramos pelo menos quatro vezes ao ano. E é uma festa lembrarmos de tudo o que aconteceu na vida escolar. E, especialmente, de nós mesmas. Com um detalhe, ainda nos chamamos pelo nome e sobrenome. Eu não sou a Tereza, mas a Tereza Malcher! E, mais outro segredo: nós nos gostamos ainda mais e estes momentos são valiosos como os camafeus de ágata azul.

Não podemos deixá-las no esquecimento. O mundo, tão cheio de engarrafamentos, agendas e bombas, precisa da pureza das cirandas de roda para mostrar às crianças que a vida também pode ser assim:

Se esta rua, se esta rua fosse minha,
eu mandava, eu mandava ladrilhar,
com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes,
para o meu amor passar.

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