Procura-se: justiça. Onde?

domingo, 26 de abril de 2015
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Imigrantes resgatados nas costas italianas (Reprodução)

Procura-se: justiça. Onde?

Nos dicionários, o termo “justiça” é definido como virtude que consiste em dar a cada um, em conformidade com o direito, o que por direito lhe pertence (in Novo Dicionário Aurélio). Do ponto de vista filosófico, o sentimento de justiça é intrínseco à consciência humana, isto é, no homem normal dotado de discernimento do bem e do mal, do certo e do errado, do que é justo e injusto.

Quando esses princípios que norteiam a vida humana são quebrados, provocam o desequilíbrio, a discórdia, o conflito, a ausência da paz social, trazendo como consequência a indignação, o inconformismo e a busca da restauração através do amparo jurídico do bem lesado. 

Filosofia à parte, atualmente a humanidade não leva a sério estes preceitos. Os acontecimentos demonstram que a indiferença, a inoperância e a ambição deixaram de lado o sentimento de justiça. A ONU não tem força para restabelecer a paz mundial; os países são autônomos e deliberam por conta própria. Não existe um sentimento de união, não existe solidariedade, não existe justiça social.

Os exemplos estão espalhados por todos os continentes. Na América, índios são impedidos de utilizar plenamente suas terras pelos produtores rurais com a conivência dos governos; na Europa, dirigentes voltam as costas para o drama dos imigrantes africanos que procuram fugir das guerras; na África, o radicalismo islâmico avança contra os cristãos provocando massacres intermináveis. A barbárie aos poucos toma conta do planeta e os países se sentem impotentes para impedir essa onda de destruição e morte.

Onde está a justiça? Onde está a paz? O que podemos fazer para conter esses tempos de violência e intransigência? A resposta está dentro de cada um e de todos nós. “A paz esteja contigo”, era assim que Cristo saudava os apóstolos depois da ressurreição, serenando os ânimos (Lucas 24, 3 e João 20, 19-26). Não haverá paz verdadeira enquanto a liberdade não for respeitada e assegurada a todas as pessoas.

“É nosso sentimento, nossa vontade e não nossa razão, é o elemento emocional e não o racional de nossa atividade consciente que soluciona o conflito” (Kelsen).

Um espírito rebelde e libertário

Os fanáticos islâmicos quiseram acabar com ela e não conseguiram, e não é impossível que continuem tentando, pois se trata de um dos mais articulados, influentes e determinados adversários que eles têm no mundo: Ayaan Hirsi Ali. Suas ideias atiçam o ódio dos militantes da Al Qaeda, do Estado Islâmico e demais seitas fundamentalistas do Oriente Médio e da África contra ela. É uma demonstração viva de que o espírito rebelde e libertário sempre é capaz de romper as barreiras que oprimem o ser humano.

É quase milagre que ela ainda esteja viva. Hirsi Ali nasceu na Somália, em uma família conservadora, sofreu a mutilação genital na puberdade e foi educada na Arábia Saudita e no Quênia dentro da mais severa observância muçulmana: usou o hijab, comemorou a fatwa que condenava Salman Rushdie à morte, mas, quando seus pais quiseram casá-la com um parente distante contra a sua vontade, atreveu-se a fugir e pediu asilo na Holanda. Ali aprendeu holandês, chegou a ser deputada pelo partido liberal e desde então começou uma campanha, que não parou até agora, contra tudo o que há de violento, intolerante e discriminatório contra a mulher no islã. 

Em seus livros, usou sua biografia para mostrar os extremos de crueldade e cegueira a que o fanatismo muçulmano podia levar e para explicar as razões de sua ruptura com a religião de sua família. No último que publicou ela critica, com sua franqueza habitual, os governos ocidentais que, para não se afastarem da correção política, se empenham em afirmar que o terrorismo de organizações como Al Qaeda e Estado Islâmico é alheio à religião muçulmana. E sustenta que a origem da violência que aquelas organizações praticam tem sua raiz na própria religião e que, por isso, a única maneira eficaz de combatê-la é com uma reforma radical de todos os aspectos da fé muçulmana incompatíveis com a modernidade, a democracia e os direitos humanos. Na sua opinião, o islã está preso no século VII.

Quando em 2004 o cineasta Theo van Gogh foi assassinado em Amsterdã, o assassino, Mohammed Bouyeri, cravou no peito de sua vítima uma carta para Hirsi Ali, advertindo-a de que ela seria a próxima assassinada por trair o islã. Em vez de receber solidariedade, ela se viu ameaçada pela ministra da Imigração da Holanda, Rita Verdonk, de perder a nacionalidade holandesa, e seus vizinhos lhe pediram que abandonasse o apartamento onde morava, pois os colocava em perigo de sofrer um atentado. Agora mesmo, nos Estados Unidos, onde vive, é objeto de críticas muito duras de supostos “liberais” que a acusam de “islamofóbica” e, no seminário que apresenta na Universidade Harvard, não é raro que se inscrevam alunos e alunas que fazem isso só para poder insultá-la. Precisa, por isso, viver permanentemente protegida.

Tristes palavras

Genocídio - O termo foi cunhado pelo advogado judeu polonês Raphael Lemkin em 1944, cuja família foi uma das vítimas do Holocausto judeu. Ao definir este termo, Lemkin procurou descrever a política nazista de assassinato sistemático, a violência e a crueldade e atrocidades cometidas também contra os armênios no Império Otomano em 1915. 
Em 9 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas aprovou a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. A Convenção define Genocídio como um crime internacional, que os países signatários se comprometem a prevenir e a punir.
Holocausto (em grego: holókaustos: “todo” e “queimado”) foi o assassinato em massa de cerca de seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, no maior genocídio do século XX.

Genocídio armênio

A matança e deportação forçada de centenas de milhares ou até mais de um milhão de pessoas de origem armênia que viviam no Império Otomano, com a intenção de exterminar sua presença cultural, sua vida econômica e seu ambiente familiar, durante o governo dos chamados Jovens Turcos, de 1915 a 1917. 

Caracterizou-se pela sua brutalidade nos massacres e pela utilização de marchas forçadas com deportações, que geralmente levavam à morte a muitos dos deportados. Outros grupos étnicos também foram massacrados pelo Império Otomano durante esse período, entre eles os assírios e os gregos de Ponto. Alguns historiadores consideram que esses atos são parte da mesma política de extermínio. 

Está firmemente estabelecido que foi um genocídio, e há evidências do plano organizado e intentado de eliminar sistematicamente os armênios. É o segundo mais estudado evento desse tipo, depois do Holocausto dos judeus na Segunda Guerra Mundial. 

Adota-se a data de 24 de abril de 1915 como início do massacre, por ter sido o dia em que dezenas de lideranças armênias foram presas e massacradas em Istambul. O governo turco rejeita o termo genocídio organizado e nega que as mortes tenham sido intencionais. Quase cem anos depois, ainda persiste a polêmica. 

O extermínio da população armênia foi executado de várias formas: incêndios — a queima de 5.000 armênios; afogamentos — milhares de mulheres e crianças inocentes colocadas em barcos emborcados no Mar Negro; uso de agentes químicos e biológicos; overdose de morfina — morte de crianças com injeções de morfina; gás tóxico: casos em que dois prédios escolares foram usados para organizar crianças e enviá-las para o mezanino e matá-las com equipamentos de gás tóxico; inoculação de tifo: armênios inocentes previstos para deportação em Erzincan foram inoculados com sangue de pacientes com febre tifoide sem que este sangue fosse tornado inativo; deportações, remoção (e liquidação) de armênios para outros lugares. 

Nos Estados Unidos, o jornal The New York Times relatou quase diariamente sobre o assassinato em massa do povo armênio, descrevendo o processo como «sistemático», «autorizado» e «organizado pelo governo». Mais tarde, Theodore Roosevelt caracterizou este como “o maior crime da guerra”.

Morrer pela Europa

A força das imagens de imigrantes resgatados nas costas italianas e, sobretudo, a convicção de que só representam a ponta do iceberg de um problema maior finalmente mobilizou a União Europeia. A tragédia do barco naufragado no sábado, 18, com quase 1000 pessoas a bordo, congregou em Luxemburgo os ministros europeus de Relações Exteriores e do Interior e também ativou a reunião de uma cúpula extraordinária de chefes de Estado e de Governo em Bruxelas. Como primeiro sinal em resposta aos naufrágios, os ministros aprovaram um plano de 10 pontos que inclui o reforço das operações de vigilância e salvamento no Mediterrâneo.

Embora a maior parte já figurasse na agenda dos ministros do bloco, faltava a pressão dos naufrágios para que fosse posta em prática. “O que ocorreu não é só uma tragédia nas áreas costeiras, mas poderia transformar-se em uma tragédia para a Europa, que tem agora de demonstrar sua unidade e capacidade de agir. Espero que as medidas de hoje representem um primeiro passo que finalmente possa ser adotado”, afirmou a alta representante para a Política Externa Europeia, Federica Mogherini.

Mas os líderes europeus não chegam a um acordo que beneficiem tantos imigrantes. Um deles é o número de refugiados que os países estão dispostos a abrigar voluntariamente. A UE acolheu em 2014 somente 7.500 pessoas que pediam asilo, em colaboração com as Nações Unidas, um número irrisório em comparação aos 57.000 absorvidos pelos Estados Unidos. O Executivo do bloco pedia um modesto aumento de 5.000.

Mais controversas são duas das medidas pactuadas: a tomada de impressões digitais aos demandantes de asilo e uma melhora dos programas de repatriação rápida dos chamados imigrantes irregulares, ou seja, aqueles que não reúnem os requisitos para solicitar asilo. Na prática, a maior parte dos que fazem essa perigosa rota para a Europa pode alegar risco de vida se permanecesse em nos territórios de onde procedem.

Linha do Tempo

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos e ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar” (Eduardo Galeano – 1940-2015)

 

 

 

 

 

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    Hirsi Ali (Reprodução)

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