A rebelião escrava na fazenda Ponte das Tábuas

quinta-feira, 09 de novembro de 2017

Na semana passada, entrevistei o sr. Gilson Sobrinho Knust, morador de Conselheiro Paulino desde a sua infância, há mais de oito décadas. Percorri com ele o distrito para localizarmos onde era a estação de trem. Igualmente onde se virava a chave que direcionava a locomotiva para Sumidouro ou para Cantagalo. Registrei ainda muitas histórias sobre a velha Maria Fumaça, contadas pelo sr. Gilson. No entanto, o meu interesse maior era que ele me mostrasse em Conselheiro Paulino onde ficava localizada a casa-sede da Fazenda Ponte das Tábuas.

Segundo o sr. Gilson ouviu dizer, ela se estendia até o distrito de Campo do Coelho. Essa fazenda tem uma história muito interessante. Possuíamos o registro de uma rebelião escrava bem documentada que se passou nessa propriedade. Em 1850, ocorreu uma fuga de escravos da Fazenda Ponte das Tábuas que culminou com a morte do ferreiro da fazenda.

Diferentemente das outras fazendas nas freguesias de São José do Ribeirão e de Nossa Senhora da Conceição do Paquequer, produtoras de café, a Fazenda Ponte das Tábuas se dedicava a produção de alimentos como milho, feijão, abóbora, manufatura de anil e na criação de gado bovino, porcos e galinhas. Pertencia ao comendador Boaventura Ferreira de Maciel. A fuga foi liderada pelo escravo Antônio Pernambuco, importado do nordeste do país. Com 28 anos de idade, ele estava na fazenda há quatro anos quando ocorreu a revolta.

Pernambuco vendia na vila de Nova Friburgo esteiras de palha que fabricava com a autorização de seu proprietário. O administrador da fazenda era João Antônio da Silva Ferreira, português, considerado um homem violento que dava um tratamento bárbaro aos escravos. O comendador pouco aparecia em seu domínio, deixando ao administrador a livre gestão. Vivia na vila de Nova Friburgo que era bem próxima de sua fazenda.

Há o registro no processo de que João Antônio costumava dar pranchadas, cutiladas com facão na cabeça e nas costas dos escravos, açoites e colocava-os no tronco com frequência. Há um episódio em que surrou a escrava Inês com chicote, deu-lhe com palmatória nas solas dos pés, bateu com uma pedra sobre as suas costelas e meteu-a em ferros. Após a surra, o administrador mandou que fosse aplicado molho de pimenta em suas feridas. Inês não resistiu às torturas e morreu.

Em 1º de janeiro de 1850, pelo menos 19 escravos abandonaram a sede da fazenda, refugiando-se nas imediações, em suas matas. O grupo fugiu porque não suportava mais os maus-tratos e castigos do administrador João Antônio. A intenção era voltar ao trabalho na fazenda quando o administrador fosse demitido pelo comendador Boaventura. Era uma fuga reivindicatória. Permaneceram por três meses escondidos nas matas da fazenda alimentando-se, quando possível, de milho e abóbora que colhiam na roça da propriedade.

O esgotamento pela fome, frio e pela chuva fez com que os escravos voltassem a fazenda. No retorno, Antônio Pernambuco, na escuridão da noite, matou o ferreiro da fazenda com uma foice julgando ser o cruel administrador, auxiliado por alguns escravos. Foram presos sendo instaurado um júri popular na sede da Câmara Municipal de Nova Friburgo. Antônio Pernambuco e outros dois escravos foram condenados pela morte do ferreiro à pena de galés perpétuas, ou seja, trabalhos forçados em obras públicas.

Pernambuco por ter incitado os escravos à fuga, recebeu ainda como punição 400 açoites, aplicados possivelmente na Praça do Pelourinho, atual Marcílio Dias. Os moradores antigos de Conselheiro Paulino se recordam de terem visto objetos de tortura de escravos na antiga sede da Fazenda Ponte das Tábuas.  

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    Casa-sede da Fazenda Ponte das Tábuas, do século 19

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    Gilson Knust mostra onde ficava a sede da fazenda onde ocorreu a rebelião de escravos

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    Outrora a ponte era de tábuas que deu nome a Fazenda Ponte das Tábuas

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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