O Quilombo de Carukango

quinta-feira, 22 de junho de 2017

No século 19, de Cantagalo seguiam tropas com mercadorias para o município de Macaé, sendo essa uma de suas rotas comerciais. Nesse caminho havia um quilombo que amedrontava os tropeiros: o quilombo de Carukango. A Lei de 7 novembro de 1831 tornara ilegal o tráfico intercontinental de escravos. Mesmo sendo uma lei que não vingara, “para inglês ver”, como se dizia à época, navios negreiros passaram por precaução a descarregar os escravos no litoral macaense, de onde muitos eram levados para as lavouras de café de Cantagalo.

Flavio dos Santos Gomes em “A Hidra e os Pântanos: Quilombos e Mocambos no Brasil (séculos 17 a 19)”, relaciona o quilombo Carukango existente em 1750. Porém, outros o datam em muitas décadas depois. Nascido em Moçambique, Carukango, igualmente conhecido como Carucango ou Querucando, era um líder político e religioso de sua tribo e se tornou prisioneiro em guerras tribais ocorridas em seu país, sendo vendido como escravo. Chega ao Brasil desembarcando no porto de Imbetiba, no município de Macaé, sendo adquirido pelo fazendeiro Francisco Pinto, dessa localidade. Resistia ao trabalho compulsório e exercia notadamente liderança sobre os outros escravos. Sua forma de resistência foi a fuga e a formação de um quilombo que levou o seu nome.

Constituindo-se em uma das maiores comunidades quilombolas da província fluminense, o quilombo de Carukango se manteve por quase duas décadas. Chegou a ter cerca de duzentos escravos fugitivos que possuíam roças de milho, feijão e outros cultivos. Através de constantes ataques às fazendas da região, Carukango e seu grupo promoviam fugas de escravos. As autoridades de Macaé solicitaram auxílio ao chefe militar da Capitania do Espírito Santo, o experiente Coronel Antônio Coelho Antão. Uniram-se às milícias do Espírito Santo as de Campos, Macaé e Cabo Frio, além de populares e a família Pinto, proprietária de Carukango. Os quilombolas ficavam longe o suficiente dos arraiais para sua segurança, mas próximos o bastante para realizarem suas trocas e comércio com as tabernas locais. O Coronel Coelho Antão optou, em vez do confronto, patrulhar a comunicação dos quilombolas com o arraial. Com a captura de um deles, que sob tortura confessou, localizou o quilombo e bloqueou todas as trilhas. As milícias fizeram sucessivas investidas até que finalmente atingiram o quilombo.

Ao centro das plantações havia uma enorme casa de pau-a-pique com telhado de palha que abrigava os quilombolas. Cerca de duas centenas de escravos fugitivos, de todos os sexos e idades, apresentavam-se armados de foices, alfanjes, lanças e alguns com armas de fogo. As milícias, bem armadas e mais numerosas, iniciaram o massacre dos quilombolas quando Carukango surgiu paralisando o confronto. Vestia um manto religioso e trazia no peito um enorme crucifixo. Aproximou-se dos milicianos e repentinamente sacou uma pistola de dois canos, disparando e matando o filho mais moço de Francisco Pinto, seu proprietário. Em represália, Carukango foi linchado pelas tropas e os quilombolas que não foram mortos, suicidaram-se se atirando dos penhascos. Há outra versão no Livro de Registro de Óbitos da freguesia de Nossa Senhora das Neves. No registro do vigário João Bernardo da Costa Resende, o ataque ao quilombo ocorreu nas margens do Rio Macabú, no dia 1 de Abril de 1831, uma Sexta-feira Santa. Diz-se que o líder do quilombo negociou sua rendição e de toda a sua gente. O comandante deu a sua palavra, e após todos se entregarem, um soldado de nome José Nunes do Barreto disparou um tiro em Carunkando, que tombou de joelhos tomando outra descarga de uma espingarda pelas costas de outro soldado.

Os quilombolas reagiram mas foram degolados e seus corpos atirados nos penhascos. Outros, depois de degolados tiveram suas cabeças espetadas em estacas e colocadas à margem da estrada geral para servir de exemplo aos outros escravos. O corpo de Carukango foi retalhado e seus membros exibidos em locais estratégicos da região. Sua cabeça foi espetada em uma lança e colocada na estrada de maior movimento onde permaneceu até decompor-se. Somente as mulheres foram poupadas e devolvidas aos seus donos. Seus abrigos e plantações foram queimados. Todos esses fatos constam de relatos de memorialistas, a exemplo de “Memórias do Mata-carochas”, de Antão de Vasconcellos. Parece-nos que não existe até o momento nenhum trabalho científico sobre esse quilombo. Carukango é homenageado em Conceição de Macabu com nome de uma localidade, um rio e uma serra. Já no município de Macaé com o nome de uma rua.

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    Imagem de um capitão-do-mato capturando um escravo fugitivo

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    Imagem do sec. 19, representa a repressão de uma milícia aos escravos revoltosos

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    O Quilombo de Carukango parece ter sido uma das maiores comunidades quilombolas da província fluminense

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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