A merenda dos colonos

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A firma Clemente & Van-Erven, de propriedade de Antônio Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo,e de seu sócio Van-Erven, era estabelecida em Portugal, na cidade do Porto, onde promovia o recrutamento de colonos. O barão comumente antecipava-se aos acontecimentos desde especulações bem sucedidas na compra e venda de escravos, técnicas modernas no plantio do café até a construção de uma linha de trem, que interligando a Região Serrana a Baixada Fluminense, solucionou o escoamento da produção de café na região.

O barão sabia que a escravidão estava com os seus dias contados em razão da proibição do tráfico intercontinental de escravos, negócio que proporcionara a fortuna que amealhou. Em razão disso, partiu para a contratação de colonos em meados do século 19, estabelecendo uma firma para cooptá-los no Porto, em Portugal.

Nas instruções para engajamento de colonos em Portugal, de 1858, promove o recrutamento de portugueses para trabalhar em suas fazendas em Cantagalo, São Fidélis e Nova Friburgo. Destaca nas instruções que as fazendas eram localizadas em lugares amenos, sadios, livres de moléstias contagiosas e epidêmicas. Os interessados que desejassem se engajar deveriam ser de boas famílias, morigerados e notadamente lavradores. O barão desejava homens adolescentes entre 14 e 18 anos de idade, sadios, fortes e trabalhadores, de origem rural. Contratou mais de mil colonos, a maioria vindos de Portugal, pagos a “jornal”, variando o salário de acordo com o merecimento de cada um.

Chegando à fazenda as funções dos colonos eram roçar, cortar o mato, fazer cavas, aterrar, plantar, sachar e capinar. Igualmente deveriam colher e beneficiar o café, o milho, o feijão, o arroz, a mandioca e a mamona para fazer o azeite. Fabricariam açúcar e tudo mais que fosse compatível com as suas forças, tudo isso objeto de cláusula contratual.

A alimentação, conforme dispunha o contrato, recomendava que quando despertassem, às 8h, tomassem café com pão de milho e no almoço comessem feijão “adubado” com toucinho, pão de milho ou angu. Entre 1h e 14h, jantar com feijão “adubado” com toucinho, carne ou bacalhau ensopado, ou arroz, ou ervas, ou batatas, ou inhames, ou abóbora, ou mandioca, acompanhado de angu ou pão de milho.

Não se surpreendam os leitores em ver bacalhau na alimentação, pois no século 19 era comida de pobre: “Pra quem é, bacalhau basta”, já diziam os antigos. De volta do serviço tinham direito a um café. Às 20h uma ceia com caldo ou papas. Poderiam comer até se satisfazer, dizia o contrato. Nessas recomendações apenas estranhei o horário da refeição da manhã, às 8h. Muito tarde para um homem do campo e próxima do almoço que geralmente era às 10h. Pode ter havido um erro do pesquisador ao consultar a fonte.

As refeições dos colonos divergiam muito da que era servida aos escravos? Parece-nos que não. Pela manhã, os escravos bebiam duas xícaras de café bem torrado e no almoço, que era por volta das 10h, comiam feijão cozido e bem temperado com sal, gordura e pimenta acompanhado de angu de milho.

O jantar servido às 14h consistia em feijão misturado com ervas ou couves, nacos de carne seca fritas em gordura de porco e depois ensopada com abóbora, couve ou outro tipo de legume. Na ceia dos escravos servia-se canjica de milho branco bem adoçada ou mingau de fubá, ou de arroz, ou de mandioca temperada com gordura e abóbora, ou ainda angu com ervas ou legumes da estação.

O leitor talvez estranhe os horários das refeições, mas naquela época e ainda hoje em algumas áreas rurais, o almoço é às 10h e o jantar no início da tarde e uma ceia lá pelas 20h para forrar o estômago. Se essas recomendações eram praticadas não podemos afirmar. Fica aí um interessante registro do cotidiano das fazendas do Barão de Nova Friburgo extraído do livro de Leila Vilela Alegrio, “Os Clemente Pinto”. 

  • Foto da galeria

    Família portuguesa estabelecida em nossa região.

  • Foto da galeria

    Oscar Fernandes Penna e Othelina Alves Penna. Colono português. Foto 1910

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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