Cemitério: um lugar de memória

quarta-feira, 02 de novembro de 2016
Foto de capa
O túmulo da família Gaiser, proprietários da fábrica Haga. Uma tragédia familiar

No século 19, quando a medicina dava os primeiros passos como ciência, os cemitérios eram considerados pelos médicos higienistas como os responsáveis por diversas doenças. O primeiro cemitério no perímetro da vila de Nova Friburgo localizava-se na extensão da Rua Sete de Setembro. As constantes enchentes que ocorriam no Rio Bengalas inundavam o cemitério dessa rua fazendo com que alguns corpos emergissem devido à ação da água abrindo sepulturas, deixando corpos insepultos e provocando grande constrangimento na vila. 

Associado a isso, havia o risco de doenças. O comportamento diante da morte variou bastante. No passado, nascia-se e morria-se em casa. Atualmente não se morre mais em casa, no meio dos seus. Morre-se em um leito hospitalar e sozinho. Fotografar parentes falecidos pode parecer algo mórbido nos dias de hoje. Mas no século 19, fazer imagens dos mortos era uma maneira de homenageá-los e de tentar minimizar a dor da perda. Temos uma foto tirada de uma pessoa falecida no distrito de Amparo para perpetuar a sua memória. 

O cemitério é um lugar de memória. Se formos aos cemitérios de Pedra Riscada e de Amparo vamos encontrar nas lápides a predominância de sobrenomes franceses e alemães. Isso se deve ao fato de colonos suíços e alemães participarem da formação social de Nova Friburgo. Os cemitérios nos revelam muito sobre a história de uma cidade.

No cemitério Luterano existe um jazigo com a ilustração de uma caveira, semelhante ao símbolo dos piratas, em sua lápide, com a seguinte inscrição: Alexandre Andréa. Attaché à la legation de Russie au Brèsil. Alexandre Andréa nasceu em 7 de fevereiro de 1811, em São Petersburgo, na Rússia e faleceu em Nova Friburgo em 16 de dezembro de 1842. Há referência de que fora um diplomata que vindo a Nova Friburgo encontrou a morte em um duelo. Nada se sabe acerca dele, mas possivelmente feriu a honra de alguma família local e foi desafiado em um duelo, muito comum à época. 

Um dos túmulos que mais me causa tristeza é o da família Gaiser, por conhecer o seu drama familiar. O alemão Hans Gaiser (1897-1952), imigra para o Brasil e se estabelece em Nova Friburgo, abrindo uma empresa de construção civil. Casado com a compatriota Selma Gaiser (1890-1967), foi um bem-sucedido engenheiro e funda a fábrica de ferragens Haga. 

Tiveram um casal de filhos, mas por um infortúnio, sua prole morre de uma doença que desconhecemos. Annelise falece em 18 de fevereiro de 1931, antes de completar um ano de nascimento, e o primogênito da família, Hartwig, falece em 22 de março de 1934, três anos depois da irmã, nove dias antes de completar oito anos de idade. Foi grande a comoção em toda a comunidade alemã luterana de Nova Friburgo. O casal não teve mais filhos. 

Falecida em 1967, Selma Gaiser deixa em testamento a sua residência para as irmãs franciscanas de Dillingen, congregação fundada no século 13, na Alemanha, e estabelecida no Brasil em 1937. Essa instituição de caridade realizava obras assistenciais com crianças órfãs. Selma estipulou em seu testamento que as irmãs mantivessem o orfanato para meninas órfãs durante 25 anos na propriedade doada. O local passou a denominar-se de Lar de Crianças Hans e Selma Gaiser. O túmulo dos Gaiser representa e expressa bem a dor dessa família.

  • Foto da galeria

    Túmulo do diplomata Alexandre Andréa no Cemitério Luterano morto em um duelo em Nova Friburgo, em 1842.

  • Foto da galeria

    Uma prática comum no século 19. Fotografar os mortos. Foto tirada no distrito de Amparo

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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