Os nômades modernos

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Muitos profissionais modernos são nômades. Antigamente os monges da Ordem de São Bento faziam votos de estabilidade, ingressavam num mosteiro para toda a vida. Hoje, nem os monges escapam.

Há poucos anos o endereço fornecido e estampado em cartão de visitas era o do escritório ou residência. Os telefones eram fixos e, mais fixo ainda, o fax. Chamávamos de endereços territoriais, Hoje, os endereços mais seguros são nômades. O celular e o e-mail, o Messenger e o WhatsApp.

Muitos dos nascidos no século passado ainda estão trabalhando com pleno êxito no mercado. Tiveram que aprender a ser nômades quando a escola e a universidade ensinaram-nos a ser sedentários.

Podemos identificar quatro perfis profissionais, iniciando pelos nascidos entre os anos trinta, (1930 e 1945), até chegarmos à nova geração, nascida já neste século XXI.

Eles são diferentes, necessitam de formação diferente e precisam ter características muito especiais para enfrentar o mundo do trabalho.

No Brasil as aposentadorias compulsórias estão marcadas pelos setenta anos. Muitas universidades jubilam antes disso. No Supremo Tribunal Federal os juízes aposentam-se aos setenta. Na verdade esta aposentadoria compulsória está ficando aquém da realidade porque a idade média do brasileiro, em alguns estados, já atinge 78 anos. Em média o brasileiro vive, hoje, 74 anos. Está chegando a hora de expandirmos esta atividade até os setenta e cinco.

Nos Estados Unidos, onde os juízes da Suprema Corte são eleitos, o cargo é vitalício.

Mas, vejamos os perfis, para considerarmos as possibilidades de convivência dos vários profissionais, seja pela ótica dos mesmos, seja pela ótica das empresas, seja pela perspectiva de sua formação.

Os tradicionalistas estão atingindo, no mínimo, setenta anos, por serem nascidos no máximo até 1945. Pela compulsória, estarão fora do trabalho em 2015, embora como assessores possam continuar por mais tempo trabalhando. Eles reúnem um perfil específico por serem marcadamente hierárquicos, leais à instituição onde trabalham, encantam-se por remuneração financeira e buscam estabilidade. O ideal deste profissional é ingressar numa empresa segura e lá trabalhar até se aposentar. O que eles aprenderam foi graças às instruções que receberam. Portanto, trata-se de um profissional que busca alguém para ensiná-lo.

Enfrenta, hoje, uma grande dificuldade porque não encontra mais quem o ensine, a não ser que esteja conectado às redes sociais e internet. Ele está convivendo com profissionais que desejam conectar-se às pessoas. Há quem consiga, embora a maioria não tenha sido preparada para esse fim. Se este profissional pretende trabalhar por mais dez anos, seja num escritório, seja em sua casa, terá de atualizar-se em relação às conexões. Saber pode ser que ele saiba muito e tenha vasta experiência, no entanto, se não estiver conectado, estará sem condições para exercer qualquer função.

A geração dos “baby boomers” formada pelos nascidos entre 1946 e 1965 está atingindo 50 anos de idade. Nasceram num período de expansão de nossa população, quando o Brasil crescia a uma taxa de 3,5% ao ano. Quem não se lembra do hino da seleção brasileira de futebol em 1970? Noventa milhões em ação, pra frente Brasil...que nos fez, em pouco tempo, dobrar o número de habitantes. Esta geração desenvolveu forte competitividade pela quantidade de empregos novos e de pessoas novas chegando ao mercado a cada ano. Neste mesmo período houve uma forte industrialização e as pessoas tiveram que conviver com a crise do petróleo e guerras por todas as partes. Tínhamos um profissional idealista e muito esforçado para vencer. Neste período testemunhei em escolas de ensino médio que havia grandes esperanças entre os alunos para lograr êxito nos vestibulares e chegar ao exercício de uma profissão segura. Na falta de cursos, surgiu o autodidata que se especializava por conta própria, deixando de lado o instrutor. Este profissional busca a informação. Se ele não tiver esta característica e adicioná-la bastante conexão, terá grandes dificuldades de permanecer no mercado, sobretudo nos mais tecnificados e mais dinâmicos.

O terceiro grupo encontra-se na chamada geração X, nascidos entre 1966 e 1980. Os mais novos estão com 35 anos e têm ampla perspectiva de atividade, convivendo com a possibilidade de nossa média de vida chegar ao patamar entre os noventa e cem anos de idade. Estes dificilmente conseguirão aposentar-se antes de setenta anos, mesmo assim terão quase trinta anos para usufruir de uma aposentadoria. Poderão ser altamente úteis a si mesmos e à sociedade se desenvolverem o ócio criativo, conforme a proposta analisada pelo sociólogo italiano Domenico de Masi tanto no seu livro Criatividade, quanto em Ócio Criativo ou Economia do Ócio.

Como as escolas e universidades não fizeram esta preparação, os profissionais necessitam de atualização no sentido de usar o tempo livre para obter altos padrões de transformação e mudança, alicerçados na criatividade. É parte do perfil a tentativa de mudar as regras e ainda existe uma visão voltada para a comunidade. São profissionais que olham as multidões e assimilam as suas alegrias e seus medos, por isso são sensíveis ao mal-estar de que falam os filósofos pós-marxistas da escola de Frankfurt. Trata-se de uma geração altamente conectada que, mesmo sem perceber, vivencia a difference proposta por Derrida. Apresentam vitalidade e insatisfação diante da falta de conexão. Como já estão convivendo com a geração Y, necessitam assimilar a sensação desse novo grupo com a ansiedade de estar imediatamente conectado a tudo o que for possível.

O quarto grupo, da geração Y, nascidos entre 1981 e o ano 2000, portanto encontrando-se os mais novos em plena adolescência e, os mais velhos já em contato com a geração anterior, vivenciando vários choques de ideias, a impaciência própria do domínio tecnológico, a ansiedade diante da velocidade e a conjugação difícil entre os valores comunitários e a personalização. A dominante desta geração é a conexão absoluta. Quase voltamos ao sentido das falas dos xamãs tribais: “tudo está ligado a tudo”. São marcadamente exploradores e muito rápidos, podendo perder informações porque vivem numa espécie de diáspora líquida, na visão de Máximo Canevacci no seu livro: Culturas Extremas. Ou ainda, na visão do mesmo autor, num e-scape, onde a velocidade não permite uma análise mais profunda dos textos, das imagens e das informações. Trata-se de uma geração com características de precipitação e necessidade de um desenvolvimento profundo da capacidade de discernimento. Conjugando estes fatores, permanecerão empregados, caso contrário, a própria velocidade poderá lançá-los para outras órbitas. Tal é a razão desta geração trocar de emprego com muita frequência, chegando às quarenta trocas até os 28 anos de idade. E, se no passado, tal comportamento representava futilidade e insegurança, hoje, torna-se o contrário, reflete mais e mais experiência.

Na véspera da digitação deste artigo estava jantando num restaurante japonês. Ao lado de nossa mesa estava uma família com dois filhos. O mais velho, de oito anos com fone de ouvido e, o mais novo, de quatro anos, convivendo com a chupeta e o tablet. Estes já pertencem à outra geração ou quinto grupo: a geração Z.

Quer saber como se comporta? Basta olhar para seu aluno no ensino básico. Ele exacerba todas as características da geração Y, torna-se mais individualista e com grandes dificuldades gregárias e, portanto, de conexões entre pessoas dentro da empresa. Olhava para a chupeta que convivia com o tablet naquela noite de terça-feira em pleno dezembro e me perguntava: estará a escola preparada para receber esta geração? Sua capacidade de discernimento e resiliência dará a resposta.

TAGS:

Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.