A família e a disciplina escolar

quarta-feira, 04 de outubro de 2017

A família e a disciplina escolar

Apesar de não gostar da palavra disciplina, ela ainda é a mais compreendida pelas pessoas que estão fora do setor educacional. O mais usado, hoje, é convivência escolar. Quando a Unesco fez a proposta de uma educação para “conviver”, aí estava embutido o conceito que, antigamente, era chamado de disciplina. As escolas quando falam aos pais sobre esses problemas de convivência tratam de casos concretos ou usam mesmo o termo “disciplina” para que todos possam entender. A diferença não é uma questão de semântica. Disciplina está para imposição e convivência para negociação. Se alguns questionam que o aluno “não deve ter querer” ainda estão pensando que a sociedade brasileira deixou de votar a Constituição de 1988. É através da convivência que se chega ao exercício da democracia e à cidadania. 

A melhor postura de uma família ao matricular uma criança na escola é saber dos procedimentos da escola quanto à avaliação do rendimento escolar, das práticas formativas, do sistema de ensino e do modo de convivência. É nessa oportunidade que as famílias podem dar sua contribuição à escola porque, entendendo como a escola é, podem, no decorrer do tempo, propor mudanças e compreender melhor as situações. Lembro-me de uma aluna do ensino médio que morava a uma distância considerável da escola e, o transporte coletivo, mesmo sendo urbano, costumava atrasar. Quando da matrícula a escola foi avisada do fato. Era o único transporte disponível. 

Assim, entendendo a escola a situação da aluna, permitia seu ingresso às aulas a qualquer tempo por se tratar de uma situação especial. Mas, dirão alguns: e se todos os ônibus atrasassem num determinado dia? Simples seria o julgamento de qualquer mente sã: todos ingressariam para assistir às aulas. O que as escolas precisam perceber no mundo atual é que vivemos em circunstâncias especiais que requerem do administrador e educador, uma elasticidade compatível com os problemas do trânsito, com a falta da empregada, com a falta de tempo, com os pais descasados ou recasados. 

As normas de convivência existentes, sobretudo aquelas discutidas com os alunos devem estar subordinadas à inteligência do educador. Até no trânsito é assim: existe um sinal luminoso funcionando. Quando o guarda está presente, o seu apito e sinal de mão valem mais que o semáforo. O importante para as escolas é que as exceções não se transformem em regras e, para as famílias, que elas entendam que uma escola é uma comunidade que tem proposta e filosofia educacional ou, pelo menos, deveria ter, sendo impossível atender sempre aos casos particulares. Se numa escola de 500 alunos cada pai e mãe desejar uma abordagem pedagógica diferente, deixará de existir escola. 

As questões de convivência extrapolam as relações educando-educador. Elas atingem ambientes mais amplos como família e escola. Penso que nem a escola deve causar constrangimentos às famílias como a recíproca é verdadeira. Ilustro com um fato narrado por uma diretora de escola em estado de desespero, pois não sabia mais o que fazer e como lidar com tanta complexidade. Alguns pais matricularam os filhos na escola exigindo que a direção e professores não informassem que os educandos eram irmãos só que de mães diferentes. Havia um caso neste colégio de três crianças nessa situação: um só pai e três mães. Imaginemos o desespero dos educadores se essas crianças viessem a saber o nome do pai e acabassem descobrindo os fatos. Mais cedo ou mais tarde acabariam sabendo.

Creio que uma escola não pode lidar com esse constrangimento e medo e que, nesses casos, os pais procurem uma solução com matrículas em estabelecimentos de ensino diferentes e compatíveis quanto à qualidade de educação. Muita coisa pode ser feita com bom senso. Sem bom senso quase nada pode ser feito.

Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante

TAGS:

Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.