Considerações sobre a violência - Parte 3

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Há que se considerar, quando se analisa a violência, os comportamentos de várias gerações. Para os nascidos na geração baby boom, da década de 1950, tudo era proibido. O autoritarismo imperava. O poder paterno e do professor eram inquestionáveis. Parecia que estávamos dentro do domínio religioso romano mais rígido, expresso pela expressão latina: “Roma locuta, causa finita”. Roma falou, acabou o debate!

Esta geração criada dentro de extremo rigor torna-se adulta, passa a criar filhos e sofre o impacto posterior a Woodstock, o emblemático festival hippie que ocorreu nos Estados Unidos. A peça teatral, o musical Hair, faz decolar a “non order”, praticamente uma filosofia de vida, um comportamento de uma geração que tudo questionava e pouco discernia.

Os pais, apavorados com tantas mudanças, acabaram por criar os filhos dentro da perspectiva de que era “proibido proibir”. A resultante desta educação chegou ao oposto das diretrizes do passado. Ao autoritarismo, opôs-se o comportamento libertário. E, no momento em que uma geração encontrou-se com esta plena liberdade sem conhecer limites, disseminou-se, ainda mais, a violência.

Chegamos ao ponto de brincar com a violência, como retratou muito bem o episódio que envolveu o índio Galdino, num banco de praça na capital federal.  O noticiário informou que os universitários que praticaram o crime, queimando uma pessoa depois de derramar sobre seu corpo dois litros de álcool, afirmaram duas coisas: uma, que não tiveram a intenção de matar, queriam dar um susto; outra, que pensavam que era um mendigo, não, um indígena.

A este ponto, chega a violência. Brinca-se de matar e confunde-se o conceito de pessoa humana. Vale dizer que voltamos aos séculos 15 e 16 quando os colonizadores ibéricos tinham uma grande dúvida acerca dos aborígenes das terras conquistadas: se eram seres humanos ou pré homens. Foi necessário, àquela época que o papa escrevesse cartas alertando que se tratava de seres humanos, necessitados de civilização e evangelização.

Bom seria perguntarmos se a cripteia espartana, um grupo violento e de extermínio contra quem adquirisse conhecimento foi um tipo de violência superada ou se ainda existe?

Esta questão remonta à antiga Esparta, lá pelo século 6 antes de Cristo. A sociedade espartana era dividida em três grupos sociais: os esparciatas, aqueles com todos os direitos civis e que dirigiam os destinos da cidade-estado, eram os únicos que podiam deter conhecimento; os periecos formavam o grupo de artesãos e comerciantes, representando um grupo dez vezes maior de pessoas e que não podiam deter conhecimento; os hilotas ou escravos trabalhavam nas terras de seus donos e, nem de longe podiam conhecer alguma coisa fora de seu ambiente de trabalho; correspondiam a um número 20 vezes maior que os esparciatas.

Não sendo suficiente esta divisão, os exércitos de Esparta criaram uma milícia paralela, chamada cripteia, encarregada de emboscar os periecos e hilotas que, por ventura, passassem a deter algum conhecimento. Eram duas classes onde, o conhecer, era proibido e castigado até com a perda da vida.

Existiria, ainda, a cripteia em nossa sociedade brasileira? Creio que sim. Ela existe de modo disfarçado, suas emboscadas são sofisticadas e as armas para matar o conhecimento, sobretudo das classes menos favorecidas são revestidas de estratégias peculiares.

O que é o ato covarde de se encaminhar para o ano escolar seguinte um estudante que não dominou os conhecimentos do ano anterior? É a sua condenação para não aprender os conteúdos da próxima etapa. A escola que não repõe conhecimento pratica a cripteia, ou seja, mata intelectualmente, seus alunos.

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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