A arte que envolve a violência

quarta-feira, 01 de fevereiro de 2017

Uma homenagem a Zigmunt Bauman, falecido em janeiro de 2017.

Os artistas sentem, de modo peculiar, os problemas do mundo, as crises da sociedade. Os artistas têm olhos especiais e conseguem discernir em meios complexos as causas e os efeitos.

Músicas, pinturas, esculturas, grafites nas paredes e muros refletem uma sociedade sadia ou doente. Os músicos captam esses problemas e lançam suas letras que, por sua vez, são aceitas pelo povo cantor por ser de compreensão fácil, enquanto retratam a realidade.

Quem não percebe o fedor de certos bairros de algumas cidades? Não seria isso uma violência contra as pessoas?

Como lidar com um mundo urbanizado, demandando cada vez mais matéria-prima e serviços, alimentos e depósitos de lixo? A cidade de Londres necessita de um espaço cinco vezes maior para produzir o que é necessário ao seu consumo e para depositar o próprio lixo. São assuntos que um professor de geografia ou ciências, química ou biologia podem abordar. A continuar o mesmo sistema de produção e consumo, em breve necessitaremos de outro espaço do tamanho da terra para nos alimentarmos e depositarmos as sobras.

Condenamos o lixo que vemos de nossas janelas e quando os ônibus trafegam em espaços sem coleta regular, no entanto nos esquecemos que os mares estão poluídos, várias espécies marinhas morrem e o plâncton marinho está sendo destruído. Algas não sobrevivem, prejudicando a respiração do planeta; tartarugas morrem por ingestão de plástico, peixes são contaminados por pesticidas e todo tipo de agrotóxico que chega ao mar.

Temos a impressão que estes fatos não são violentos e poucos de nós conseguem captar esses fenômenos.

A música, “Violência”, dos Titãs, retrata bem esta situação. Vamos ler algumas partes e analisá-la: “O movimento começou, o lixo fede nas calçadas/Todo mundo circulando, as avenidas congestionadas”. Gente, lixo, fedor e congestionamento. Isso significa transitar em meio ao insuportável e esperar mais tempo para se livrar do incômodo, chegar em casa depois do trabalho e descansar. Segue a música: “O dia terminou, a violência continua/Todo mundo provocando todo mundo nas ruas”.

Mostra, a letra desta canção, que a violência não para, que o bullying continua nas calçadas e ruas com as provocações. Retrata, o grupo musical, quão insuportável é viver em meio à violência. Sente, este grupo, as filigranas da violência que tudo penetra.

“São gemidos de dor, todo mundo se engana...
Você não tem o que fazer, saia pra rua,
Pra quebrar minha cabeça ou pra que quebrem a sua”.

E, numa espécie de fatalidade a que a vida conduz, só resta sair à rua para quebrar as cabeças uns dos outros. Talvez, por isso, as pessoas sofram a neurose do “Medo Líquido”, bem exposto por Zigmunt Bauman, um mundo em que todos têm medo, mesmo que não saibam a razão condutora, porém, todos poderão sofrer alguma fratura provocada pela violência, exatamente aquela que não apresenta redenção. “O crime é venerado e posto em uso por toda terra/
De um polo a outro se imolam vidas humanas.
No reino de Zópito os pais degolam os próprios filhos/
Seja qual for o sexo, desde que sua cara não lhes agrade”.

A culminância da violência é a veneração pelo crime imolando vidas humanas, sem diferenças entre sacrifícios praticados por povos primitivos. O crime apresentado com motivos torpes e banais, a morte de um ser, no sentimento musical, depende do semblante da criança, se agrada ou desagrada, nada diferenciando dos costumes do Império Romano, onde os recém-nascidos ao serem apresentados ao pai poderiam ser destinados aos abutres que os esperavam depois de lançados da rocha Tapeia.

É importante, no combate à violência, que os artistas sejam contemplados, suas músicas e letras comentadas, discutidas e cantadas. O artista é um dos caminhos para se chegar aos fatos. Podemos, depois de uma leitura de certas letras, constatar o que existe e o que é violento para todos nós. Eis aí um caminho para os professores de português, literatura e artes. Enquanto estudam a estrutura da língua, podem perceber a crítica de uma situação ou um alerta em relação aos valores esquecidos e que podem nos matar.

Como se vê, as escolas têm armas eficazes para agir. Basta alguma pesquisa, basta solicitar que os próprios alunos busquem subsídios. Enquanto estão pesquisando na internet materiais que servirão para a sala de aula, estarão aprendendo a usar a ferramenta, escaparão de uma leitura sem reflexão, de conteúdos que podem veicular mais violência e, na medida das reflexões e estudos, receberão algumas vacinas sociais e comportamentais.

Como se vê, a escola é a solução. É preciso acreditar nela e estar certo do que necessitamos atacar como meio de sobrevivência.

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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