Tudo é vaidade

quarta-feira, 14 de junho de 2017

O fato é que todos nós gostamos de ser elogiados e tanto melhor quanto mais imerecido é o elogio

Estava eu visitando uma clínica psiquiátrica quando... Vejam bem que eu disse “visitando”. É bom deixar isso claro, antes que alguém comece a espalhar que eu estava lá gentilmente conduzido em camisa de força, por ordem de algum psiquiatra ou da polícia. Não que faltassem motivos, quem hoje em dia pode se gabar de ser inteiramente são? A primeira coisa que todo maluco diz é: “Eu não sou maluco, não”.

Apesar de que atualmente as pessoas estão admitindo coisas que antigamente eram negadas até a morte. Os armários estão cada vez mais vazios. No Brasil, do jeito que as coisas vão, não está longe o dia em que haverá político capaz de assim se apresentar aos eleitores: “Corrupto assumido, titular de contas secretas em paraísos fiscais e idealizador de diversas fraudes eleitorais”. Aliás, com tantas qualidades, não deixará de ser eleito.

Quanto à maluquice, acho que estou na média da população, com alguns parafusos frouxos e outros apertados demais. Assim mesmo, às vezes penso que doido é o mundo em que vivemos, basta assistir aos noticiários para concluir que as coisas não estão como Deus queria.

Verdade que também já experimentei a sensação de não estar bom da cabeça. Cientificamente apurados os fatos, descobri que se tratava de uma crise de labirintite. Na verdade, eu estava absolutamente normal, ou tão normal quanto me é possível. Em compensação, tudo em volta de mim se movia e ondulava. Labirintite é isso: você está ótimo, mas o chão fica molengo e fugidio, árvores e prédios são passarinhos que voejam à sua frente, as próprias estrelas perdem a compostura e se põem a bailar no infinito. Resumindo: labirintite é quando o universo fica tonto como se, após o sétimo dia da Criação, estivesse saindo do churrasco inaugural e misturado uísque, cerveja e caipirinha.

Mas, voltando a falar da clínica psiquiátrica. Aproximou-se de mim uma interna e me fez os mais altos elogios que já recebi, usando para tanto os termos mais grandiloquentes. Tendo eu lhe perguntado onde ela tinha achado aquelas palavras tão bonitas, respondeu-me que na Bíblia. Ora, não sou eu que vou contradizer a Bíblia, de modo que aceitei integral e humildemente os elogios.

Você talvez diga que, em se tratando de uma interna, tal declaração não deveria merecer muito crédito. Mas vou perdoar esse seu pequeno surto de inveja, visto que você nunca recebeu um elogio de dimensões bíblicas. O fato é que todos nós gostamos de ser elogiados e tanto melhor quanto mais imerecido é o elogio. Basta ler o Eclesiastes para ficar sabendo que tudo neste mundo é vaidade.

Um exemplo: certa vez me falaram a respeito de uma família conhecida como Os Tatus. Dizem que não havia no mundo nada mais feio do que um Tatu ao vivo. O mais bonito de todos fazia chorar as crianças que tivessem o azar de cruzar com ele. Na verdade, encontrar qualquer um deles à noite, sem preparação prévia, assustava até mesmo o mais destemido dos adultos.

Pois não é que uma jovem dessa família de horrores foi convidada a candidatar-se a miss-não-sei-o-quê? Claro que era apenas brincadeira de mau gosto, mas a tatuzada toda acreditou e nisso investiu grandes esperanças. Foi preciso que o padre local os convencesse, num ato de caridade cristã, de que esse negócio de miss era pura vaidade e, portanto, grande pecado. Desistiram da candidatura, mas não sem que o patriarca da família, o venerável Sr. João Tatu, sentenciasse:

- Fizeram a menina desistir por inveja. Tava na cara que ela era a candidata mais bonita!

Bem diz o Eclesiastes: vaidade, tudo é vaidade!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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