No tempo das domésticas

quinta-feira, 28 de maio de 2015

O que estragou tudo foi que a outra, quer dizer, a original, apareceu por lá e desafiou Ritoca

1. Não se pode dizer que Valdelina não pediu. Logo no primeiro dia, chegou para a patroa e perguntou: A senhora se incomoda se, depois do almoço, eu der uma saidinha para cuidar do meu menino? A mulher ficou com pena e disse que não, contanto que a demora fosse pouca. Vencida a batalha inicial, Valdelina acrescentou: E será que a senhora deixava eu levar um pratinho de comida pra ele? A dona da casa pensou na criança com fome, magrinha, e consentiu. Ficou até feliz com aquela caridade. 

Aí então o menino começou a vir: um metro e oitenta de simpatia, aquele  ar despreocupado de quem tem a sobrevivência garantida. Sentava-se no banquinho da praça em frente e cruzava as pernas, esperando, inocente e altivo. Almoçado, esticava-se no banco e dormia até o entardecer. 

O Dr. Costinha, ao saber da história, até achou graça: Arrumei mais um filho pra criar!

Mas quando chegaram em casa e encontraram o menino liquidando uma garrafa do uísque do Dr. Costinha, resolveram deserdar o filho abusado.

Atualmente Valdelina trabalha na Penção (com ç) Boca de Ouro, na qual, por motivos ainda ignorados, os lucros vêm diminuindo muito ultimamente.

2. Que Ritoca era amasiada, D. Bebete sabia. Sujeitinho mirrado, de pouco encarar batente, mas nem por isso incapaz de atender às exigências de duas mulheres ao mesmo tempo. Uma delas era Ritoca, mas D. Bebete precisava demais de uma cozinheira para amofinar-se com os usos e costumes dessa gente.

O que estragou tudo foi que a outra, quer dizer, a original, apareceu por lá e desafiou Ritoca: Abre a porta, cachorrona, que eu te mostro se é bom roubar homem de mulher casada! D. Bebete tentou intervir, assustada: Aqui dentro, que horror! O que os vizinhos vão pensar?!

Mas Ritoca, ida e vivida nesses embates de amor, assumiu o controle da situação: Fica calma, patroa, vou dar uns tapas nessa vaca agora mesmo, mas depois eu ponho tudo no lugar, direitinho.

No momento Ritoca cumpre pena no presídio feminino, onde foi parar depois de ter esfaqueado a rival em memorável noitada de samba. “Quem gosta de meia é pé, minha filha!”, vai ela doutrinando as companheiras de cela.

3. Morreu não sei que parente, a família viajou às pressas. Mas as chaves ficaram com Titinha, cinco anos de casa, moça recatada, de inteira confiança.

Mal botaram o pé em casa, veio o síndico atrás: Seu Agenor, que arruaça foi essa no seu apartamento,ontem à noite, seu Agenor? Tem bloco carnavalesco aí dentro, seu Agenor? Samba até de madrugada, copo pela janela,  um palavreado que nem que a madame não estivesse aqui presente eu não podia repetir, seu Agenor! E tome garrafa pela janela, e tome risada. Onde nós estamos, seu Agenor?  Se acontecer de novo... o senhor esteja avisado, seu Agenor!

Convidada a se explicar, Titinha provou não ter feito nada demais: Fiquei com medo de dormir sozinha, só isso... Aí, bom, chamei duas amigas pra me fazer companhia, só isso... Aí, bom, elas trouxeram uns rapazes, só isso... Gente fina, seu Agenor, um é até amigo de Benito di Paula, só isso... Mas tanto eu cuidei de tudo direitinho que, olha, na cama do casal ninguém dormiu, seu Agenor. Só isso...

Despedida, Titinha entrou para a escola: vai ser rainha da bateria da Unidos da Saudade!

Pior aconteceu com D. Margareth. Desconfiada do marido com a empregada, mandou a empregada embora no sábado. Na segunda-feira acordou sem o marido!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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