De Alain Delon a Alandelão

terça-feira, 28 de março de 2017

A beleza é um colírio que entra pelos olhos e adoça o coração

Fico olhando as fotografias de Alain Delon, mostrando-o aos vinte, quarenta e sessenta anos. Meus amigos, não foi pequeno o estrago que o tempo fez sobre a fina estampa do famoso ator francês. Do galã irresistível que era ao coroa de cabelos ralos que se tornou, Delon foi contraindo marcas e rugas, sinais e sintomas, que lhe denunciam cruelmente a idade. E, pelo que diz a revista, o desastre não para por aí: a competência sexual que esbanjou na juventude, são hoje águas passadas ou, melhor dizendo, camas passadas. De vez em quando ainda pode ser, mas, para quem foi Alain Delon, três vezes por semana é quase abstinência.

Não hão de suspirar por ele as jovens da atual geração, nem mais colocarão fotos dele na porta do guarda-roupa, como fizeram suas mães e talvez mesmo as avós. Sim, senhoras, aqueles olhos, aquele sorriso, entre infantis e cínicos, faziam disparar os corações femininos, mais do que se estivessem fugindo de um touro enfurecido.

Aliás, um dos melhores personagens do Livro de História, de João Ubaldo Ribeiro, é justamente o touro Alandelão, embora este, tendo vindo da França com nome de conquistador, não correspondeu à fama quando confrontado diretamente com a vaca brasileira Flor de Mel. De qualquer forma, Alandelão vocês podem apreciar a qualquer momento, é só comprar o livro.

Já o belo Delon só pode ser visto nas fotos ou, com um pouco mais de sorte, em algum filme antigo que a televisão reprise de madrugada. Aí, sim, ele ressurge no esplendor de sua forma física, feito um fantasma de si mesmo. Lembram-se da propaganda de vodka em que o bebedor aparecia em duplicata e uma versão dizia para a outra: “Eu sou você amanhã”? O jovem Delon dos filmes poderia dizer para o velho Delon que por acaso o contemplasse: “Eu sou você ontem, e não adianta chorar sobre o leite derramado, os amores vividos, os anos passados”.

Eu nunca fui famoso pela beleza e, para ser sincero, por nenhuma outra razão. O máximo de elogio que consegui a esse respeito foi ouvir minha mãe dizer quando eu nasci: “Não é uma gracinha?”, mas o silêncio que se fez em volta foi a primeira grande decepção de minha vida. Apesar disso, não consigo olhar para as minhas fotos antigas sem concluir com tristeza que eu já estive melhor do que estou. Ora, se isso de envelhecer não é bom para mim, que não sou televisão para precisar de boa imagem, imagine o que custa a essa gente cujo êxito na vida depende da impressão que sua aparência causa nos outros. E então disparam para as clínicas de cirurgia plástica, a esticar, escorar, encher e conter. E tão remendados ficam que acabam parecendo mais uma múmia alisada a ferro quente do que uma pessoa jovem.

Nada contra as pessoas desejarem manter a boa forma e se valerem dos recursos da ciência para isso. A beleza é um colírio que entra pelos olhos e adoça o coração. Bem diz o para-choque do caminhão: “Se me ver (sic) agarrado com mulher feia, pode apartar que é briga”. De modo que alguns retoques não fazem mal a ninguém e contribuem para a formosura do mundo em geral. Agora, isso de nunca parar de reformar a própria cara, acaba dando resultados perigosos, como no caso daquela velha atriz, sobre quem se comenta que não pode piscar os olhos sem dobrar os joelhos, de tanto que lhe puxaram a pele para lá e para cá.

Não sem razão, tantas pessoas se enfurnam em algum canto onde ninguém mais possa vê-las, porque foram belas e famosas no seu tempo, mas com o tempo perderam a fama e a beleza. E que passem os dias repetindo para si mesmas esse melancólico pensamento de Oscar Wilde: “Nada existe mais bonito que esquecer, a não ser talvez ser esquecido”.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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