Sobre a redução da maioridade penal

sexta-feira, 07 de julho de 2017

Porque há tanta gente capaz de defender a questão?

É claro que os índices de violência e a experiência da impunidade promovem esse tipo de sentimento. É quase como um grito coletivo por justiça, ou por vingança. Explica-se. Não sei se justifica.

Os números acenam para uma realidade complicada no Brasil. Nos últimos de anos, houve um aumento expressivo no quantitativo de encarcerados. E um incremento ainda maior nas estatísticas da violência.

Ou seja, mais cadeia não significa necessariamente menos violência. A sociedade está mais insegura, apesar de estar havendo cada vez mais prisões.

Além disso, o sistema prisional brasileiro. Um dos mais ineficazes do planeta. Uma realidade de superlotação, indignidade, violência, tortura, violação de direitos, ociosidade, inoperância do Estado, conivência das autoridades, controle pelas facções criminosas e ausência total de programas de recuperação e educação.

O ingressante no sistema prisional torna-se de imediato refém do comando do crime que age desde dentro das penitenciárias e, por mais "modesto" que seja seu delito, só conseguirá condições mínimas de sobrevivência se jogar o jogo da cadeia.

O egresso do sistema será um criminoso potencializado e, pior, com dívidas para saldar com "prestação de serviços" do lado de fora.

O círculo está fechado. Entra, na maioria das vezes, pelo crime de menor potencial ofensivo; sai com encomendas hediondas. Retorna e de novo sai. E quem paga o preço é a sociedade que se vê refém de um sistema caduco.

Reduzir a maioridade penal é expor adolescentes com cada vez menos idade a esse esquema nocivo. Trata-se de encarcerar quem deveria estar na escola.

Considerando que, no Brasil, a maior parte da população carcerária é de homens negros em plena idade laboral, não é difícil deduzir que será esse mesmo o perfil dos adolescentes aprisionados. Coisa, aliás, que já ocorre nas casas de recuperação juvenil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê uma série de medidas corretivas. A questão é fazê-lo ser cumprido pelo Estado. Talvez caibam reconsiderações sobre suas penas, dosimetria, reincidências, etc, mas não dá pra desconsiderar que seu espírito é bem melhor, bem mais civilizado do que simplesmente ignorar o contexto todo e reduzir a idade.

Ou seja, a lei existe; precisa ser, de fato, cumprida.

Há quem diga que se se pode votar aos 16 anos, já se poderia responder criminalmente também. Há, porém, uns pontos relevantes a serem considerados.

O voto aos 16 anos é opcional e não é para a vida toda (pode ser corrigido nas eleições seguintes, como, aliás, ocorre com qualquer pessoa). Outro dado: um adolescente pode votar aos 16, mas não pode ser votado.

Aos 16 anos, há maturidade, sim, para votar, compreender e, inclusive, para se responsabilizar por um ato infracional. Em nosso país, por força do tão criticado ECA, qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei.

Agora, o tratamento deve ser diferenciado; não porque o adolescente não sabe o que está fazendo, mas por sua condição especial de pessoa em desenvolvimento; neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa é prepará-lo para uma vida adulta e ajudá-lo a recomeçar.

Há dados de sobra na literatura especializada sobre redução de maioridade penal e o fato de não haver relação com redução da violência. E, ainda mais: os jovens, estatisticamente, são muito mais vítimas do que autores de crimes.

Há que se perguntar: a quem interessa a redução? Presumo que os próximos passos serão a liberação de bebidas e cigarros, carteiras de habilitação. Muita gente grande sairá ganhando. E ainda haverá quem vá defender a privatização das cadeias, já que estão (e estarão) ainda mais cheias. Enfim, por esse caminho, aniquilamos gerações inteiras com o sentimento de vingança disfarçado de justiça.

Quando uma sociedade entende que a solução é encarcerar sua juventude é porque há algo muito sério acontecendo que tem passado despercebido. Estamos retrocedendo.

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