Sobre ética e educação

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Viver é uma sucessão de escolhas. Diferente dos animais, que têm suas vidas definidas pelos instintos e pela natureza, seres humanos estão condenados à liberdade.

Trata-se do componente basilar da ética; daquilo que fundamenta a forma de viver e conviver; do conjunto de opções que tomamos com vistas à busca de felicidade e realização, bem como de convivência e respeito pelo outro.

Como a convivialidade é uma demanda para que haja possibilidade de sobrevivência, instituímos princípios para viabilizar a vida. Hábitos, regras, mandamentos e tantos outros interditos constituem-se, assim, nas garantias para que o particular não se sobrepuje ao coletivo e, além disso, haja relação harmoniosa entre os indivíduos.

Segundo Thomas Hobbes, é o Direito uma das formas mais elaboradas na tentativa de socializar “artificialmente” os seres humanos: é a via de passagem do estado natural para o estado político. Afinal, "homo homini lupus", o homem é o lobo do homem; "bellum omnium contra omnes", é a guerra de todos contra todos.

Por outro lado, Jean-Jacques Rousseau parte do princípio de que o ser humano é bom naturalmente, embora esteja sempre sob o jugo da vida em sociedade, a qual o predispõe à depravação. Para ele, o homem e o cidadão são condições paradoxais na natureza humana, pois são o reflexo das incoerências que se instauram na relação do ser humano com o grupo social, que inevitavelmente o corrompe.

Entre os extremos, o equilíbrio está entre o instinto natural (que comanda a sobrevivência), a ética social (que reprime o individualismo e incentiva a convivialidade) e a moral pessoal (que precisa ser alimentada individual e socialmente).

No conjunto de valores morais – a ser nutrido dia a dia em cada indivíduo – é que talvez esteja a chave para que a sociedade garanta sua sobrevivência. As leis, exclusivamente por si mesmas, não dão conta de gerir os grupos. A natureza humana, em si, dada sua emocionalidade, constrói muros nos acessos pelo diálogo. Há, ao que parece, uma urgente necessidade de cultivo de valores morais pessoais. Valores intrínsecos a cada indivíduo que o façam agir (ou não) em nome do bem (para si e para os outros). Trata-se de uma construção pessoal e social, ao mesmo tempo.

É nesse campo que está o papel formador da escola. Não como espaço simplesmente de instrução sobre correção e erro; não como espaço que anula o sujeito e seu poder de análise e que põe em risco a liberdade. Diferente disso, espaço que seja capaz de oportunizar a liberdade de se pensar “prós” e “contras” de cada ato; dar a opção de escolher por aquilo que julga mais sensato, mais coerente, justo consigo e com seu meio. Em outras palavras: dar noções basilares de cidadania é papel da escola.

Por isso, há que se atentar sobre a, assim chamada, disciplina. Onde abunda a indisciplina, via de regra, falta reflexão sobre ética. Onde há necessidade de muita coerção é porque, por óbvio, faltam valores formadores do indivíduo.

Quando, por exemplo, uma escola entende que é preciso instalar câmeras de vigilância por todos os cantos, e quando as lentes estão voltadas para alunos e professores é porque algo muito sério está em questão. Trata-se, literalmente, de um processo de “des-moral-ização”.

Quando a vigilância vem de fora é porque de dentro dos indivíduos não se pode esperar muito. É porque a escola – e a família – falharam no seu principal papel: estimular a formação de princípios éticos e morais para regerem com correção e senso de coletividade a vida das pessoas e dos grupos.

A aparente comodidade da segurança oferecida pelas câmeras, por exemplo, esconde a insegurança moral que se aloja nas pessoas.

A escola não deve permitir que a restrinjam a espaço de formação de saberes. Antes disso, deve se empenhar por ser o ambiente favorável e estimulador do debate, da reflexão e da construção de valores para a cidadania.

Educação de qualidade passa, obrigatoriamente, pela instrução cognitiva, pelo amadurecimento psicológico e, antes de tudo, pela construção de valores éticos sólidos e emancipadores.

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