Educação e sociedade. Autoridade e doença.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

As últimas décadas testemunharam mudanças na forma de fazer educação. Primeiro, porque há cada vez mais discussão sobre o papel e a autoridade do professor. Segundo, porque cada vez há mais profissionais de áreas afins interagindo nos processos educacionais.

Não há dúvidas de que isso tudo tem seu aspecto positivo. Já se foi o tempo em que a sala de aula era considerada espaço inalienável do professor. Ficou para trás a lógica da coerção como ferramenta pedagógica. Da mesma forma, faz parte do passado a responsabilização exclusiva do professor no que tange ao sucesso ou fracasso de estudantes. Sabe-se, hoje, haver mil e uma questões de ordem social, psicológica, orgânica e física que interferem na carreira escolar.

O que deve ser discutido, porém, é o tipo de limite que tem se imposto à ação dos docentes. Quando se limita a liberdade de atuação de professores, viola-se, paradoxalmente, o direito fundamental que a toda criança deve ser assegurado: a educação. Em nome de garantir direitos aos menores, o mais fundamental deles é relativizado.

Subentendida está a ideia de que educação é mais que instrução; está a convicção que educação passa necessariamente pela conscientização sobre limites e o aprendizado de noções elementares de hierarquia, autoridade e respeito pelo semelhante.

Enfim, está claro que há a necessidade de garantir a integridade das crianças, mas não se pode confundir isso com a limitação do poder de atuação do professor e de sua tarefa de educar.

Deve-se discutir, também, a interferência exagerada de outros profissionais na sala de aula e na vida escolar. Quanto mais se divide a tarefa docente, menos preocupação haverá com a valorização do professor e, o que é pior, mais se colocará em dúvida a competência dos docentes.

Apenas para ficar em um exemplo, tome-se a questão dos transtornos e déficits de aprendizagem e da hiperatividade. Há uma explosão de diagnósticos a respeito. Psicólogos, fonoaudiólogos e médicos têm ajudado no processo de educar, mas é clara também a confusão entre, por exemplo, dificuldades de aprendizagem e patologias neurológicas; ou, ainda, entre a necessidade de intervenção criativa de métodos didático-pedagógicos e a medicalização da educação.

Sem ignorar que tais quadros existem sim e que devem ser tratados séria e profundamente, não se pode permitir que essa invasão de medicamentos seja a regra. Imagine-se que uma criança submetida aos estímulos da vida contemporânea, especialmente aos de natureza tecnológica, e à rotina cada vez menos organizada das famílias, não pode ser simplesmente taxada de hiperativa na escola e o tratamento da questão ser, diretamente, de natureza medicamentosa.

Às mudanças atuais e naquilo que interferem na vida escolar, deve-se responder, primeiramente, com ações pedagógicas revistas. Quando se recorre imediatamente aos remédios, corre-se o risco de mascarar o problema real e, para além de não os resolver sistemicamente, provocar danos mais graves a longo prazo.

Crianças brincam cada vez menos em contato com a natureza; cada vez menos brincam em grupo e de brincadeiras simples de convivência e respeito pelo outro. Estão cada vez mais expostas a horas ininterruptas de TV e internet; cada vez mais expostas a estímulos que antecipam as capacidades e a maturidade de sua faixa etária. E, infelizmente, a escola, na maioria dos casos, ainda mantém rotinas e metodologias descoladas desse novo tempo.

Se é verdade que a escola não deve simplesmente aderir e aceitar os equívocos dos dias atuais no que tange a crianças, é verdade também que deve se atualizar e se contextualizar de modo a dialogar criticamente com o estado atual das coisas, bem como no auxílio de sua superação.

O que não se pode - sob pena de perda de um valor fundamental das sociedades humanas: a educação - é relativizar a autoridade do professor e tratar as novas demandas da sala de aula como se problema médico fosse.

Está claro é que nossa sociedade tem desafios sérios. Mas é equivocado reduzir (como caso de polícia) a autoridade dos professores ou (com remédios) os chamados transtornos de aprendizagem.

Enfim, talvez a educação, acusada de estar doente, por incrível que pareça, seja, ela mesma, o remédio demandado pela sociedade atual.

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