A invenção do trio elétrico: como um acidente mudou o carnaval da Bahia

sexta-feira, 05 de fevereiro de 2016
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Ivete Sangalo em 2008 (Foto: Wikipedia)

Hoje os trios elétricos são conhecidos como aqueles grandes caminhões, cheios de caixas de sons e amplificadores onde os artistas se apresentam arrastando multidões durante o carnaval. Porém, a história dessa manifestação carnavalesca é bem antiga e curiosa, começando no carnaval de rua da Bahia.

No final da década de 1930, em Salvador (BA), os amigos Osmar Macedo e Antonio Adolfo Nascimento – o Dodô – assistiram a uma apresentação do músico Benedito Chaves que mudou muito a ideia deles a respeito de música. Benedito, em vez de usar um microfone para amplificar o som de seu violão, usava um captador e, como a tecnologia ainda era muito primitiva, precisava interromper constantemente a apresentação por causa dos ruídos e microfonias do instrumento.

Dodô e Osmar, além de músicos, entusiastas de eletrônica, começaram a trabalhar naquela tecnologia e, depois de muito pensar e experimentar, descobriram que não precisariam da caixa acústica do instrumento, que causava microfonia quando iam se apresentar ao vivo. E assim, em 1942, criaram o “pau elétrico”, uma espécie de braço de cavaquinho ou bandolim que, com a captação, poderia ser tocada em volumes altos sem interferência. Com esse novo instrumento, os amigos criaram o protótipo do que seria a guitarra baiana, e mudariam o carnaval para sempre.

Durante a década, os amigos foram aperfeiçoando suas técnicas como músicos e como artesãos, desenvolvendo o novo instrumento. No carnaval de 1950, o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas se apresentou em Salvador, poucos dias antes do carnaval, carregando uma multidão ansiosa para ouvir os frevos e marchinhas da banda recifense. Infelizmente, no meio da apresentação, um dos instrumentistas se acidentou, fazendo com que a música parasse e tirando a alegria do povo.

Com essa situação, Dodô e Osmar decidiram fazer algo para animar Salvador e começaram um novo projeto nos dias seguintes. Usando um Ford Fobica 1929, Dodô descobriu uma forma de ligar um amplificador à bateria do carro. Com isso, a dupla pegou seus paus elétricos e transformou o carrinho em uma espécie de palco ambulante, animando o carnaval tocando em seus instrumentos versões de frevos, sambas e chorinhos pelas ruas da cidade. Nasceu assim a dupla elétrica de Dodô e Osmar.

Em 1951, a dupla juntou-se ao músico Temístocles Aragão, que buscava simular o som do baixo em seu pau elétrico. Agora, com três membros, se tornaram o Trio Elétrico. Ou seja, antes de ser o nome do veículo, o termo era usado para se referir à banda, que usava os instrumentos eletrificados.

Com o passar dos anos, tanto o modelo do veículo como a formação desse tipo de banda foi mudando. A base mais comum de um trio elétrico era formada por duas guitarras baianas e um baixo. Posteriormente, a percussão foi adicionada e manteve-se o caráter instrumental, até o ano de 1978, quando Moraes Moreira se tornou o primeiro vocalista a cantar em um trio elétrico no carnaval baiano. Além do trio de Dodô e Osmar, vários outros foram surgindo, mantendo a tradição de eletrificar os ritmos nordestinos, o samba, o choro e a marchinha, entre outros. Hoje em dia, em que o termo se tornou sinônimo dos caminhões-palco, todo tipo de banda se apresenta nos eventos.

Entre a Fobica de Dodô e Osmar e os caminhões de 35 toneladas, muitas mudanças ocorreram nos trios elétricos. O Ford colorido dos pioneiros foi trocado por uma caminhonete, comportando mais músicos; depois com patrocínio de uma empresa de refrigerante local virou um caminhão com carroceria em forma de garrafa – cheia de caixa de som e de luzes – e seu tamanho foi ficando cada vez maior.

Mesmo tendo ficado conhecidos com a divulgação do fenômeno na música “Atrás do Trio Elétrico”, de Caetano Veloso, em 1969, e com o grande sucesso dos trios Tapajós e Armandinho, Dodô e Osmar, nos anos 1970, foi após o advento do axé, na década de 1980, que os caminhões ficaram realmente famosos, atraindo multidões durante os carnavais até hoje. Por que, afinal, atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu.

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