Heróis e vilões...

segunda-feira, 02 de maio de 2016

Em sala, durante uma das inúmeras aulas de história que tive a oportunidade de assistir, ainda na época de colégio, guardei uma frase que chamou a atenção e desde então carrego comigo: “Na história, todo vilão é herói, e todo herói é vilão.” Não recordo exatamente em qual contexto essa sentença se encaixou naquele momento, mas com o passar dos anos e a vivência do dia a dia pude posicioná-la inúmeras vezes em contextos variados. Ser herói ou vilão depende do momento, do ponto de vista ou até mesmo da oportunidade. O Maracanã, neste domingo, foi palco para mais um fragmento histórico do futebol estadual, onde essa frase se encaixaria perfeitamente.

Botafogo e Vasco possuem inúmeros candidatos a heróis e vilões. O Glorioso, com seu time bem organizado, compacto e de forte marcação, embora carente de qualidade, é considerado pela grande mídia como o “vilão” dessa final. O “herói”, obviamente, seria aquele que detém o favoritismo, pelo menos em tese, até o momento de a bola rolar.

Começa o jogo no Maracanã. Como foste herói em cada jogo, o Botafogo teria que provar mais uma vez para a torcida e também para si que jogar no próprio limite é a receita para superar as limitações. A equipe já havia conseguido o feito nos outros clássicos, inclusive contra o rival que reencontra na decisão, e assim o fez novamente. Equilibrado, atento, disposto e com a marcação encaixada dominou o primeiro tempo e boa parte do segundo, encontrando espaços para jogar diante de um adversário que os oferecia sem tanta resistência. Mas quem poderia se tornar o herói naquele momento? Qual o jogador seria capaz de executar uma jogada diferente, fugir do óbvio, e desta forma colocar o Glorioso em vantagem? De fato, havia alguns candidatos.

Desde que foi contratado, Salgueiro é a grande esperança de protagonismo. Não tem jogado mal, é verdade, mas bastante aquém do que se espera. E do que talvez ainda possa render. Cobrar o heroísmo de Ribamar pode ser precipitado, considerando a relação idade / responsabilidade. A jovem revelação teve a sua chance de se tornar herói, mas parou em Martin Silva. Assim como Bruno Silva, já no segundo tempo, quando o time estava em desvantagem no placar. De candidato a herói, o volante acaba como vilão em lance que poderia mudar toda a concepção do segundo jogo da final. Mas, convenhamos, essa não é a função do Bruno. Talvez seja mais prudente cobrar de Neilton e Sassá, por exemplo. Candidatos a heróis, ambos decepcionaram. O primeiro foi uma nulidade, enquanto o segundo se transformou em vilão ao ser expulso poucos minutos depois de entrar em campo – com uma boa dose de exagero no rigor por parte do árbitro, é verdade.

Mas nessa primeira parte da história de 180 minutos heróis e vilões inverteram papéis. Nenhum escritor que se preze, acredito, seria capaz de escrever um enredo tão cruel para um dos personagens mais importantes da trajetória contemporânea do Botafogo. Ou talvez seria. Não existe nenhuma linha da gloriosa história alvinegra que não possua, ao menos, uma vírgula questionável.

A dupla Renan Fonseca e Emerson Silva, por conta do desentrosamento e até mesmo das limitações, foi candidata à vilã para parte da mídia durante toda a semana. Logo o setor mais seguro do Botafogo - a defesa - sofreria neste primeiro jogo, no momento decisivo? Não. A dupla foi relativamente bem, e desta vez, o maior herói do atual elenco botafoguense transformou-se um vilão numa jogada capital. É até estranho escrever que o Jéfferson falhou em um lance decisivo. Mas aconteceu. O que não significa – e é bom frisar – que ele deve ser culpado exclusivamente pela derrota. Teve a sua parcela de contribuição, mas a possibilidade de falhas sempre vai existir.

Culpar apenas Jéfferson seria, antes de tudo, uma imensa demonstração de ingratidão do torcedor alvinegro. Na melhor fase da carreira, o capitão recusou todas as propostas que recebeu para abraçar o clube e ajudar na caminhada de retorno à elite do futebol brasileiro. E Jéfferson foi absolutamente fundamental na campanha de 2015. Assim como foi nos títulos estaduais de 2010 e 2013, na classificação para a Libertadores e tantos outros momentos. Foi importante também para que o Glorioso pudesse estar presente na nona decisão de Campeonato Carioca em 11 anos.

Culpar apenas Jéfferson representaria um erro que poderá ser fatal para o Campeonato Brasileiro: o de maquiar as limitações do elenco. Sobra organização, comprometimento, compactação, mas falta qualidade. Esse pequeno detalhe que poderia ter feito a diferença, transformando, talvez, todo o domínio em gols. Pelo menos dois, que diminuiriam o peso da falha. E quantas vezes o inverso já aconteceu: Jéfferson salvar o Botafogo por conta da incompetência de seus companheiros é quase rotina. E para que ela não continue se repetindo, é preciso reforçar. Ficou claro que, quando se precisa do algo mais, nem sempre o Glorioso encontra. Diante do Fluminense, houve um cruzamento preciso de Gegê e uma cabeçada certeira de Ribamar. Nem sempre vai acontecer. No domingo não foi. No próximo até poderá ser.

O primeiro capítulo da final do Campeonato Carioca de 2016 está assinado, impresso e encerrado. Mas o desfecho dessa história ainda reserva muitas linhas para serem escritas. Quem ontem foi herói pode se tornar vilão no próximo dia 8, no Maracanã. E quem foi vilão poderá deixar o Maior do Mundo carregado nos braços, como um verdadeiro herói. E mais: poderá deixar o Maraca carregando, em seus braços, o título carioca.

Saudações Alvinegras! Não há nada perdido, pelo contrário. Eu acredito! Nada nunca foi fácil para o Glorioso, e não seria dessa vez...

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