Quem nos protege contra o Supremo?

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Existem várias regras que devem ser seguidas para um julgamento. A primeira delas é que o julgador seja justo. A segunda é que ele se atenha aos limites de sua competência. A terceira é que ele reconheça quando não possui a necessária isenção para julgar. Frequentemente magistrados ultrapassam uma ou outra dessas regras. Mas... e quando um ministro do Supremo ultrapassa todas ao mesmo tempo? Quem nos protege contra o Supremo?

Vamos aos fatos: Em 1987, o governo do Rio, à época comandado por Moreira Franco, que até hoje ainda ressuscita de vez em quando em algum cargo público graças aos intermináveis tentáculos do PMDB, concedeu um reajuste a todos os servidores do estado do Rio. Todos não. A lei dizia que todos teriam reajuste, menos os servidores do Judiciário (desde aquela época, políticos não gostam da justiça, por motivos óbvios). A diferença é que naquela época eles perseguiam; hoje, aliam-se.

Pois bem. Os servidores do Judiciário entraram na Justiça à época e o STF reconheceu a inconstitucionalidade da exclusão. O percentual, que era de 70,5%, acabou sendo reduzido ao longo do tempo a 24%. Posteriormente, o então presidente do TJ, Luiz Zveiter, decidiu aplicar pela via administrativa o pagamento e no ano passado o órgão especial do TJ sumulou a questão, reconhecendo o direito. Mesmo assim, o estado vinha recorrendo. E perdendo. Até que entrou na história o ministro Barroso, o mesmo que foi convocado para vaga no Supremo à época do mensalão. Um detalhe: Barroso, antes de virar ministro do STF era procurador do Estado do Rio de Janeiro e durante anos defendeu o Rio contra as ações dos servidores.

Pois bem. O ministro decidiu há poucos dias. Mais do que decidiu, ele inovou, criou, inventou e legislou. E atropelou algumas regras:

- fez reexame das provas dos autos, o que é vedado ao Supremo fazer

- analisou a lei infraconstitucional, o que é vedado ao Supremo fazer

- disse que os reajustes concedidos nos anos seguintes compensaram os 24%, sem mencionar que estes reajustes referiram-se a inflações posteriores

- desprezou o fato de que todos os reajustes posteriores já tinham sido abatidos nos cálculos dos peritos no decorrer dos 30 anos de trâmite do processo, daí os 70,5% terem sido reduzidos a 24%.

Depois desse fuzuê de irregularidades e com base num raciocínio torto, o ministro Barroso concluiu que não são devidos os 24% que os servidores recebem desde 2010 e, insatisfeito, ainda propôs o reconhecimento de repercussão geral, criando a seguinte tese: "Não é devida aos servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro a extensão do reajuste concedido pela lei 1.206/87, dispensando-se a devolução das verbas eventualmente recebidas até 01/09/2016." Ou seja, a partir desta data, os servidores não poderão mais receber 24% de seus vencimentos, que já haviam sido pagos, transitados em julgado e reconhecidos pela via administrativa e judicial, só porque um ex-procurador do próprio estado, agora ministro do STF, decidiu que ele pode desfazer tudo e atropelar todas as regras para ajudar ao ex-patrão, o governo do estado.

E ele ainda fundamenta em sua decisão que "o acréscimo é capaz de produzir um impacto financeiro bilionário às já combalidas finanças do estado, cuja situação calamitosa é notória". Ora, então o estado é mal administrado e roubado pelos políticos e os servidores devem ficar sem reajuste salarial para não quebrar o estado?

Foi uma decisão extremamente estranha, de um ministro que possui fortes vínculos com o Tribunal e com o governo do Rio de Janeiro. Os servidores estão sem reajuste há dois anos. E agora, além de não ter reajuste, ainda podem perder parte do que recebem há anos. Como se vê, a situação sempre pode piorar, graças às decisões cada vez mais estranhas da "justiça" que temos.

E os políticos que causam este caos? estão por aí, pulando de cargo em cargo, soltos e matando a população aos poucos, com as suas roubalheiras e sua corrupção. Como sempre. 

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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