Quarenta bi... entendeu?

quinta-feira, 01 de outubro de 2015

Donald Trump é uma espécie de personagem, uma caricatura, um ser estranho e rico. Muito rico. Ganhou as páginas dos jornais mais uma vez nesta semana por contestar a fortuna que lhe foi atribuída pela revista Forbes, apenas 18 bilhões de reais, quando, segundo ele, sua fortuna é de 40 bilhões de reais. "40 bi, entendeu?", vociferou, do alto de sua rica arrogância, corrigindo, indignado, a revista.

Donald Trump tem 69 anos e 40 bilhões de reais. Se ele quiser torrar 1 bilhão de reais por ano, não vai viver tempo suficiente para gastar tudo que amealhou durante a vida. Fazendo isso, morreria, talvez, uns 20 bilhões mais pobre, no máximo. Neste mesmo período, passarão pelo mundo bilhões de pessoas sem recursos mínimos para sobreviver. Tão pobres quanto nasceram. E assim viverão. E morrerão.

Donald Trump trabalhou para ser rico. Provavelmente fez por merecer. Mas o que dá de fato sentido à nossa vida? Em que curva da história a raça humana deixou-se dominar pelo desejo de ser cada vez mais rica e cada vez menos solidária? Qual a lógica de ter um cara com 40 bilhões de reais num cofre enquanto bilhões de pessoas passam fome, sede, frio, abandono, são assassinadas, vendidas, violentadas, trocadas como mercadoria, escorraçadas de seus próprios países por guerras sem sentido, sem pé nem cabeça, sem motivo, sem uma razão que torne decente lutar por algo?

Não. Em algum lugar da história, a gente se perdeu. Quando vemos uma reportagem destacando um cara que, sozinho, guarda 40 bilhões de reais, e luta, enfurecido e indignado, para provar que tem tudo isso, como se fosse esse o objetivo da vida, enquanto outros não têm água, não têm emprego, não têm saúde, não tem remédio, não têm educação e não têm uma vida digna, é porque a gente se perdeu em algum lugar. Quando vemos governos que vendem a alma e a nação para se manter no poder, loteando o Estado como se estivesse numa feira de penhores e horrores, regateando a vida humana em troca de propinas infindáveis, pagas com dinheiro que salvaria vidas e a gente não tem a capacidade sequer de se indignar, é porque a gente se perdeu. Feio. Há uma lenda de que homens jamais perguntam o caminho quando estão perdidos. Então, somos todos homens. Porque estamos todos perdidos. E não nos preocupamos com isso.  

É fácil falar de Trump, mas e nós? O que eu e você temos feito de concreto para mudar este mundo? Não precisamos ler sobre refugiados sírios ou crianças africanas para nos sensibilizarmos. Na nossa cidade, no nosso bairro, nas entidades que ajudam desamparados, em cada esquina, em cada escola, em cada rua... O que mais existe é gente que precisa de ajuda. E nós podemos ajudar. Como?

Ao lado da reportagem do milionário indignado, havia uma matéria com um grupo de dançarinos, todos fantasiados de médicos, que se apresentavam de quarto em quarto em um hospital de crianças com câncer. Nenhum deles tem 40 bilhões, com certeza, mas o sorriso daquelas crianças é algo que dinheiro nenhum vai pagar. Nunca. Os dançarinos médicos têm muito menos idade do que Donald Trump. E se quiserem distribuir sorrisos por aí todos os dias, durante toda a sua vida, não importa quanto tempo vivam, morrerão também um dia, mas com um crédito de milhões de novas vidas que ajudaram a tornar felizes, sem gastar um único centavo.

Pra quem não tem dinheiro ou não sabe dançar, há outras formas. Pode ser um sorriso, uma palavra, um abraço, um conselho, um perdão... Uma ajuda qualquer, por mais simples que pareça, pode fazer com que quem não tem nada acredite num mundo melhor. E assim vamos salvar vidas, muitas vezes sem saber.

E aí? Que exemplo vamos seguir? Vamos juntar dinheiro? Ou vamos salvar vidas?

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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