Por um mundo em que juízes morem no mesmo mundo que os mortais...

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Existem várias formas de se fazer justiça. A primeira que a história registra é o "olho por olho e dente por dente", pelo qual pagava-se o mesmo mal que se fazia. Funcionou durante muito tempo. Acabou sendo abandonada pela sociedade, em nome da civilidade.

Também havia  a "justiça divina", mas ambas foram sendo substituídas por sistemas em que homens decidem as vidas de outros homens em tribunais.

No Brasil, inovamos e criamos um sistema híbrido: a justiça dos homens, mas prestada por agentes divinos. Assim nasceram os nossos juízes.

Leis, escritos, costumes, tradições, códigos, mitos, decretos, editos, jurisprudência, Constituições... um mar interminável de regras, que, em vez de se substituírem, foram se acumulando ao longo da história, resultando num emaranhado e ainda criamos sistemas em que pessoas são eleitas para inventarem ainda mais regras.

Isso por si só já é o prenúncio de algo que não vai dar certo, mas o pior é na hora de definir quem vai aplicar estas regras. A figura impoluta, impávida, austera, respeitável e soberana de um juiz, só resistiu no Brasil enquanto os magistrados viviam no mesmo universo dos meros mortais.

Depois que a Constituição do lobby (à qual, eufemisticamente, chamam de "cidadã", para dar aparência de justa), aliada a uma lei patética e imoral, chamada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, elevou o magistrado à condição de semi-divindade, as coisas desandaram. E não param de desandar, desde então.

Os magistrados têm tantas regalias e ganham tão acima da população, que passaram a viver em redomas, em um universo próprio, dissociados do mundo que os cerca. Com cada vez mais raras exceções. São tecnicamente geniais em conhecimentos técnicos, mas apedeutas em conhecimento do mundo real, da dor real, do sofrimento real e da injustiça cada vez mais real em nosso país.

Como o magistrado que tem que julgar o péssimo serviço prestado pelos ônibus, metrô, trens ou barcas, mas jamais pisou em qualquer um deles, sempre a bordo de seus automóveis, não tendo a menor noção do que sofre um mortal, que paga caro para ser conduzido como gado. Neste caso, ou o secretário faz a sentença no lugar do juiz (prática comum) ou o próprio magistrado julga, torcendo pra não confundir os meios de transporte ou o nome dos bairros, todos alienígenas para o seu universo.

Os juízes iniciantes, em 26 países europeus, recebem 2,2 vezes a média salarial da população de seus países e, na Corte Suprema, ganham o equivalente a 4,2 vezes o vencimento médio nacional. No Brasil, o inicial de magistrados e membros dos MPs, na maioria dos estados, corresponde a cerca de 20 vezes a média de rendimento de trabalho do país. E quase 40 vezes o salário mínimo nacional.

Claro. Há magistrados que ainda mantêm a mesma disposição de fazer o certo de quando era mero estudante e acreditava num mundo melhor. Assim como há servidores, mecânicos, comerciantes e outras categorias em que temos péssimos exemplos. Mas nenhum destes últimos ganha tanto dinheiro.

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, além do seu polpudo contracheque, o magistrado recebe mais R$ 9 mil se ministrar 40 horas de aulas no mês (a mesma carga horária semanal de um trabalhador comum para ganhar um salário mínimo); recebe mais R$ 8 mil para participar de "grupos de sentença"; recebe mais R$ 10 mil para realizar audiências de custódia; recebe mais R$ 8 mil para participar de mutirões em juizados, recebe mais R$ 4,3 mil de auxílio moradia, entre outros benefícios. Com ou sem crise.

Ah, sim... o Órgão Especial do TJ-RJ anunciou que suspenderia as horas extras dos grupos de sentença, por causa da crise, mas a medida durou apenas uma semana, sucumbindo à pressão da magistratura e tudo voltou a ser como dantes no quartel de Abrantes.

Existem várias formas de se fazer justiça. A primeira que a história registra é o "olho por olho e dente por dente. Talvez acabe retornando, em nome da moralidade.

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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