O que estão colocando na água do brasileiro?

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Passada a olimpíada e à espera da paralimpíada, os brasileiros continuam em estado catatônico, anestesiados, inertes e em sono profundo em relação a tudo o que diz respeito à política, finanças, roubalheira, pouca vergonha, abandono da população, exclusão social... a tudo o que deveria ser prioridade, no país que prefere ser do futebol, da praia, da cerveja, das novelas, do BBB e agora também país olímpico.

Durante a olimpíada, se alguém falasse sobre a crise financeira ou sobre a roubalheira generalizada neste país, era tachado de chato, inconveniente e sem espírito esportivo. Imagine, em plena olimpíada, alguém ousando lembrar que os hospitais do estado estão sem medicamentos, que médicos, professores, policiais e todos os demais servidores estão sem pagamento e sem reajuste há dois anos, numa inflação galopante, enquanto magistrados conseguiram aprovar na Câmara a elevação do seu teto para R$ 39 mil por mês?

Nem pensar. A ordem na olimpíada era comemorar, rir, aproveitar a vida e torcer, como se não houvesse amanhã. Nem ontem. Nem depois de amanhã.

Agora, sem a desculpa olímpica, até o ministro Gilmar Mendes chama de assalto o que os magistrados fazem com o dinheiro público, acumulando benesses e mais benesses, que nós pagamos, com os nossos impostos. Gilmar Mendes é como a Veja: não costuma ser referência para muita coisa boa, mas isso não significa que não fale algumas verdades de vez em quando.

Este é um caso. Veja o que ele disse sobre os magistrados do Brasil: “Os salários nos estados estão na faixa de R$ 50, 60, 100 mil. Como isso é legal, se ninguém pode ultrapassar o teto dos ministros do Supremo, que é uns R$ 30 e poucos mil? Como se consegue essa margem? Eu tenho a impressão de que o país virou uma república corporativa em que cada qual, se aproveitando da autonomia administrativa e financeira, faz seu pequeno assalto. Não pode ser assim. Acho que isso precisa ser discutido".

Segundo o ministro, há um “festival de abusos” também em outras corporações, como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGU): "Virou um festival de abusos. O país virou uma república de corporações, e isso é péssimo. A autonomia administrativa e financeira, que deveria fortalecer a independência, se tornou outra coisa. Quem se ressente hoje do salário não reajustado é aquele que tem o salário justamente pago, aquele que está limitado. O resto é um festival".

E olha que quem diz isso é um ministro do Supremo Tribunal Federal. Um magistrado, como os demais a quem acusa de assaltar a nação, com suas benesses intermináveis. Recebi uma ligação nesta semana de uma magistrada do Tribunal Regional do Trabalho. Ela disse que as pessoas estão certas em combater o excesso de vantagens da magistratura, porque os magistrados estão muito fora da curva e da realidade do país.

Limitada ao teto preconizado pela Constituição Federal, ela destacou que se sente envergonhada quando vê que colegas da magistratura estadual recebem muito acima do teto, graças a artimanhas engendradas para driblar a Constituição.

 Contei para ela que no TJ do Rio, além dos R$ 30 e tantos mil por mês, existe um tal "grupo  sentença", em que o magistrado (não todos; só quem faz parte de um selecionadíssimo grupo) ganha mais R$ 10 mil se produzir mais 60 sentenças por mês, no lugar de outros colegas. A mulher quase infartou ao telefone. Ela disse o que qualquer pessoa sabe: "mas o juiz já ganha para fazer sentença. E como fica o princípio do juiz natural quando um juiz faz sentença para outro?"

Contei também que um magistrado pode dar aulas para o próprio tribunal e, com isso, ganhar mais R$ 10 mil se der 40 horas de aula no mês. Acho que desta vez o infarto ficou à beira de acontecer. Ela chegou a engasgar. "Mas eles fazem isso no horário de trabalho?"

Eu ia contar que eles também ganham mais R$ 10 mil para participar de audiência de custódia (fazer audiência também já é função do juiz, claro, mas isso parece ser irrelevante aqui no Tribunal de Justiça do Rio e também contar que eles ganham mais uns R$ 10 mil para participar de mutirões nos juizados especiais, mas achei que seria maldade demais.

Enquanto isso, nós, meros mortais, vamos assistindo a essa farra, anestesiados e omissos, vendo a banda passar. A olimpíada já foi, mas vem aí a volta do campeonato brasileiro de futebol, eleições, natal, outro BBB, carnaval... quem se importa? 

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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