O estupro consentido

quarta-feira, 01 de junho de 2016

A historia todos já conhecem, porque a mídia repete há dias: uma menina de 16 anos teve um vídeo divulgado com imagens do que parece ser um estupro. Opa! "Parece" ser? Vejamos:

Segundo o noticiário, ela está sendo tocada por outros sujeitos em seu órgão genital, enquanto estes riem e falam bobagens, para "tirar onda" com a situação. Ainda segundo o noticiário e o relato de quem viu o vídeo, ela não tem reação, estando visivelmente desacordada. Isso, por si só, configura o estupro. Mulheres não podem ser tocadas quando não têm condições de reagir. No entanto, surgiram algumas revelações: ela era drogada, frequentava a favela, fazia sexo com estranhos, mentia, tinha um histórico desfavorável e já teria feito isso antes de forma consentida. Olhando assim, parece ser definitivo: ela é culpada e não há vítima na história. Mas a vida real é um pouco diferente disso. Ela é menor. E estava sem condições de se defender naquele momento. Isso, por si só, transforma em selvagens aqueles sujeitos, de todas as idades, que se aproveitaram da situação. Isso é estupro. E quando o Código Penal fala em estupro, ele não fala em vida pregressa da vítima, não fala em exceções por ser drogada, ter má fama ou ser prostituta.

Se abrirmos o precedente de que não foi estupro por causa da vida pregressa da menina, estaremos admitindo que estupro só acontece contra "mocinhas direitas" e que as demais, automaticamente, estão jogadas ao vento e pegue quem quiser. Isso não parece muito certo.

Há uma coisa em sexo que é óbvia, mas que, pelo jeito, precisa ser lembrada: sexo consensual não é apenas quando todos dizem sim; é quando todos têm condições de dizer sim. E a menina não tinha. Evidentemente. E isso torna o fato abjeto, vil, vergonhoso. E a atuação dos que pretendem culpar a menina não ajuda a melhorar a sociedade.

E não adianta dizer que ela não presta. Ela não é nenhum exemplo de vida, por óbvio. Nessa idade e completamente perdida e desorientada, com más companhias e hábitos errados. Mas o corpo ainda é dela. E ele não pode ser usado por outros quando ela não tem condições de reagir. Só isso. Discutirmos o que ela foi fazer lá, por que se expôs ou se deveria estar em casa ou na escola... tudo isso é válido para orientar os demais adolescentes, para que não façam as mesmas escolhas erradas na vida. Mas isso não dá o direito de ninguém estuprá-la. Nada dá esse direito a ninguém. Simples assim.

Vamos torcer para que a família (e não a polícia ou um traficante) conserte a vida desta menina. Falta educação. Falta cultura. Faltam valores morais. Faltam recursos. Falta muita coisa. Mas culpar a vítima pela bestialidade dos outros é um sintoma de que a sociedade está doente... muito doente... ela comete erros, mas nenhum erro pode ter como punição ser estuprada. E naquele momento, sem condições de reação, era estupro.

Entenda: uma mulher pode se vestir como quiser, ir aonde quiser e fazer o que quiser... isso não dá direito a ninguém de estuprá-la... ela pode usar roupa curta ou longa, pode beber cerveja ou suco; pode sorrir discretamente ou gargalhar sem limites... Não importa! Isso não define o caráter de ninguém. E ainda que fosse uma questão de caráter, isso não dá a ninguém o direito de violentar outra pessoa. Nada dá esse direito!

Pode ser uma estudante, bancária, dançarina, balconista, gerente ou prostituta... não importa o que ela faça. Em qualquer situação, quando ela disser não, é não!! E se ela não tiver condições de dizer sim, automaticamente é não! E pronto!

Tudo o que ela fizer pode ser objeto de comentário ou de severa e justificada crítica... mas jamais será um passaporte para que marginais abusem do seu corpo...

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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