O Brasil dos placares estranhos

quinta-feira, 16 de junho de 2016

7 a 1. Não precisa de tradução. O futebol medíocre do Brasil levou uma surra inesquecível da Alemanha por este placar e descontou no coitado do Haiti, que consegue ser pior do que essa horrível seleção brasileira. Aliás, a vergonha deles deve ser muito maior por levar sete gols do Brasil do que os brasileiros sentiram ao perder de sete para a Alemanha, porque o Brasil enfrentou um time de verdade. Os haitianos, não.

O placar, em si, é assustador em qualquer circunstância. Não é normal fazer sete gols em uma partida. Mas o Brasil não anda vivendo dias normais. Aliás, anda vivendo tempos estranhos. Muito estranhos... tanto que, depois de golear por sete, o Brasil perdeu para a inexpressiva seleção peruana, num duelo de times inexpressivos...  coisas do Brasil...

11 a 9. Este foi o placar da votação pela cassação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Só no Brasil o placar revelaria disputa tão aguerrida para punir um indivíduo com uma folha corrida tão extensa. Ele é acusado de envolvimento em desvios nas obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro; foi multado em R$ 1,13 milhão pelo Banco Central por não ter declarado à Receita Federal ter recursos no exterior; teve a prisão pedida ao STF pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot; é acusado de quebra de decoro parlamentar por manter contas secretas no exterior; é acusado de mentir sobre a existência destas contas em depoimento à CPI da Petrobras...

       E não para por aí. Cunha utilizou trustes e offshores para ocultar patrimônio mantido fora do país; recebeu propina de contratos da Petrobras; utilizou a mulher como laranja, para disfarçar o seu envolvimento em corrupção; gastou dinheiro público para presentear a mulher com jóias, roupas, bolsas e sapatos; manipulou regras e sessões, frustrando sucessivas vezes as reuniões da comissão que analisava a sua cassação...

É pouco? Para alguns membros da Câmara dos Deputados, é. Tanto que ele recebeu nove votos de 20 possíveis, quase empatando a disputa e por pouco não se safando mais uma vez. Este é o Brasil dos placares estranhos. Este é o Brasil dos políticos corrompidos...

Não há nada de diferente entre Cunha e seus cúmplices na Câmara dos Deputados. Ninguém o apoia por imaginar que ele possa ser inocente. Ninguém lá o é. O que os leva a defendê-lo é o medo de que caiam junto. E Cunha já prometeu arrastar alguns consigo.

Aliás, este é o tipo de declaração que, por si só, já deveria provocar a cassação, porque se alguém sabe de algo grave, que provocaria a cassação de um político e não revela, pelo contrário, usa como arma de chantagem, o decoro já foi para o ralo há tempos... menos no Brasil, claro, onde decoro costuma ser utilizado, quando muito, como um redutivo de decoração, papel que todos interpretam muito bem, fazendo infame papel decorativo na Câmara, mas enérgicos nas reuniões secretas em que se tramam vergonhas às escâncaras.

O país ter que suar a camisa para retirar do comando da Casa Legislativa que representa o povo, um sujeito com esse histórico é um sintoma de que as quadrilhas que se apossaram do poder neste país não tem bandeira, não tem partido, não tem escrúpulos e não tem um pingo de vergonha na cara de se unir para se defender mutuamente.

Cunha é do PMDB, o que é desnecessário lembrar, corolário lógico de sua postura, partido que conhecemos bem e com o qual sofremos bem aqui no Rio de Janeiro, entregue há anos às garras de Cabral, Picciani, Paes, Pezão e cia., que se esmeraram na arte de depenar o estado, o que deve ser matéria obrigatória no cursinho de ingresso no partido.

Alguns que se destacam na técnica alçam voos maiores, chegando ao Congresso, caso de Cunha, agora em vias de ser abatido em pleno voo, para felicidade dos cofres públicos. O Rio ainda não teve a mesma sorte. Ou competência dos eleitores.

Num país com tantos placares inusitados, no dia do julgamento de Cunha pelo plenário, a Câmara poderia dar de presente ao país um novo recorde: 513 a 0 a favor da cassação. Só para população lavar a alma uma vez na vida e para alguns eleitores se redimirem da lambança que fizeram ao colocar este tipo de gente lá.

Mas, infelizmente, sabemos que isso não vai acontecer. Nem o placar nem o arrependimento de certos eleitores. Placares estranhos só acontecem contra o brasileiro. Então, periga é ele conseguir se safar. Oremos. 

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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