"Era uma vez" ou "Como quebrar um Estado"

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Não se sabe o porquê, mas toda historia incrível começa com "era uma vez". Talvez porque remeta à ideia de algo inacreditável, improvável, que não se sabe se é possível que seja verdade...

Era uma vez um político chamado Saturnino Braga, que ficou famoso em 1988, ao decretar a falência do município do Rio de Janeiro. Como vocês sabem, políticos competem muito. Por isso, para não ficar atrás, os políticos atuais estão empenhados em bater o recorde: estão quebrando o

Estado todo de uma vez. E estão se saindo muito bem, obrigado.

E pra quem pensa que é fácil quebrar um Estado do porte do Rio de Janeiro, ledo engano: não é não. É preciso muito esforço e muita, muita vontade. Afinal, estamos falando de um Estado que, durante décadas, nadou no dinheiro do petróleo, viu instalarem-se aqui grandes empresas, recebeu grandes eventos e foi o carro-chefe cultural do país por muito tempo.

Então, como quebrar um estado como este? Vamos à receita:

Você começa inventando obras faraônicas, adiciona uma pitada de superfaturamento em tudo que envolver dinheiro, emprega filhos e parentes em cargos-chaves para propinas, faz desaparecer verba pública, paga dívidas fictícias com o dinheiro do contribuinte, coloca os seus amigos para serem fornecedores superfaturados do próprio Estado, sustenta caixa 2 para os amigos candidatos, coloca empreiteiras de amigos para fazerem as obras... Ah! E pode espancar a mulher de vez em quando na frente de filho pequeno, arrancando-lhe dentes a socos, que isso ajuda a te transformar num herói. Inclusive para outras mulheres do seu partido.

Pronto! Está inaugurado o upgrade na quebradeira. Pra que quebrar uma cidade se posso quebrar um Estado inteiro?

Mas é pouco. Pegue o fundo de previdência dos servidores, para o qual eles contribuem há décadas com 11% dos seus vencimentos, e leve-o à falência. Não! É pouco ainda! Somente levar à falência é para os fracos.

Depois de torrar o dinheiro dos servidores, endivide o órgão previdenciário, vendendo créditos futuros de royalties de petróleo, e depois não honre o compromisso. Com isso, os credores vão penhorar o dinheiro do fundo de previdência e colocar em risco a aposentadoria de quem pagou anos a fio por isso.

Onde mais podemos agir? Ah, sim! Simule uma dívida com uma empreiteira e depois pague com um terreno do Estado. Depois, a empreiteira vende este terreno por um valor abaixo do que recebeu para um amigo do governante fazer um shopping. Muito bom!

Acabou? Falta pouco! Se você estiver encerrando a carreira e ainda não tiver conseguido quebrar de vez o Estado, abra sucessão. Passe para seus filhos o seu legado. Perpetue a família no poder, entregando-lhe o Estado de presente. Coloque um filho em cada ponto-chave. Falando em

chave, preferencialmente coloque um filho em cada local onde haja um cofre público.

Pronto! Parabéns! Você conseguiu!

Não se sabe o porquê, mas toda historia incrível começa com "era uma vez". Talvez porque remeta à ideia de algo inacreditável, improvável, que não se sabe se é possível que seja verdade.

Era uma vez um Estado chamado Rio de Janeiro. Lindo. Mas não era pouco lindo não. Muita coisa. Mar, montanha, lago, serra, verde, trilhas, beleza natural pra tudo quanto é lado... um paraíso. Até que um dia o homem chegou. Todo tipo de homem. Inclusive uma horda de políticos. E, desde então, o Rio nunca mais foi o mesmo. Quebrou. 

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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