Didaticamente (o governo vai ler "didática mente")

quarta-feira, 03 de fevereiro de 2016

O preço do petróleo já vinha caindo faz tempo, desde o governo de, com o perdão da palavra, Cabral. Mas Pezão fez de conta que foi surpreendido e que por isso não poderia mais manter hospitais abertos, nem pagar as contas de luz das escolas, nem comprar merenda escolar, nem comprar medicamentos... resumindo: nem nada que seja em benefício da população.

O governo aproveitou e colocou na conta do petróleo uma suposta "crise", que está sendo útil para justificar a volta da CPMF. Só que, além da CPMF, o governo também quer olimpíadas, que custam uma fortuna. E como fazer olimpíadas se alega não ter dinheiro por causa da "crise"? A saída foi parar de pagar aos servidores e usar o dinheiro dos salários deles para torrar com olimpíadas e empreiteiras, não necessariamente nesta ordem, uma bobagem de uns R$ 12 bilhões...

E agora, como justificar que não está pagando aos servidores? Solução: o governo divulga que não tem dinheiro. Aí surgiu um empecilho: a Constituição Federal diz que parte do dinheiro que "desapareceu" não pertence ao governo, mas ao Poder Judiciário. Aí, como mentira chama mentira, o governador dá uma esticada na historia e avisa que desapareceu também o dinheiro do Judiciário. Vai vendo...

Os servidores públicos, que não são bobos, viram logo que tinha caroço neste angu. Como não tem o dinheiro do Judiciário se o governo está fazendo olimpíadas e reformando piscinas? E por que, em meio a tal "crise", não tem nenhuma empreiteira reclamando de atraso no pagamento?

Os servidores foram, então, à Justiça, para perguntar o óbvio: a crise só existe para os servidores? Dinheiro para empreiteiras, piscinas e isenções fiscais sobra? Bom, se a Constituição diz que o dinheiro é do Judiciário e o governo diz que este dinheiro sumiu, o juiz decidiu ver quem está mentindo. No banco, descobriu-se que o mentiroso era o governo.

Centenas de milhões de reais dormitando numa conta. Ninguém ficou surpreso. E é dinheiro suficiente não apenas para pagar ao Judiciário, mas para pagar a todos os demais servidores do estado, se isso fosse importante para o governo, claro. E não estamos falando de qualquer verba direcionada à saúde, educação e segurança, excluídas por ordem do magistrado, preocupado muito justamente com a manutenção dos serviços essenciais à população.

Mas como explicar que foi achado dinheiro que o governo disse que não tinha? Só tem uma saída: outra mentira. Aí o governo vai à mídia e diz que o dinheiro era do Fundo dos Bombeiros e dos recursos hídricos. Para tudo! Quase um bilhão de reais parados no Fundo dos Bombeiros e em recursos hídricos? Será que os bombeiros e a crise de água que passamos recentemente sabem disso? A verdade é que o dinheiro estava estacionado em uma conta geral da fazenda estadual, sem qualquer vinculação com bombeiros ou qualquer outro Fundo.

Mas não acabou a historia... imagine se alguns iriam perder a chance de tirar uma casquinha política da "crise"? É quando entra em cena o presidente da OAB-RJ, para atacar o Judiciário. A história está nesse pé: está provado que o dinheiro é do Judiciário; está provado que a "crise" é fajuta e só existe para servidor e saúde, porque não para de jorrar dinheiro pras empreiteiras; está provado que o governador desrespeitou a Constituição ao manter refém o dinheiro do Judiciário; e está provado que o governador mentiu ao dizer que não tinha dinheiro... e o presidente da OAB diz que o Judiciário é o vilão da história?

O que deveria fazer o juiz, ao constatar que o governador mentiu e que havia muito dinheiro na conta, aguardando as empreiteiras? Fingir que não viu quase R$ 1 bilhão e ser partícipe da mentira do governo?

Presidente da OAB-RJ, faça um favor à sociedade e não diga frases de efeito sem fundamentação jurídica. Estude a Constituição e aprenda que existe algo chamado autonomia dos poderes. Isso significa que o Judiciário não é um apêndice do governo e sim um Poder independente. E isso existe justamente para que o governador não faça o que ele está fazendo, atacando a autonomia de outro poder e apoderando-se do dinheiro do Judiciário, colocando a sua vontade acima da Constituição, sob o olhar complacente de quem deveria investigar (Alerj, TCE, MP... alguém?).

Quando a Constituição disser que o governador pode fazer de refém a verba do Poder Judiciário, disser que trabalhador tem que aceitar ficar sem pagamento para fazerem olimpíadas superfaturadas, quando o governador tiver a coragem de dizer quanto tinha na conta que foi bloqueada, revelar para onde foram os bilhões em royalties da última década e contar de onde saem os R$ 12 bilhões que o estado já gastou com olimpíadas num estado que fecha hospitais, a gente volta a falar sobre quem é o vilão na historia....

Enquanto isso não acontece, eu decidi: se tiver outra filha, vou chamá-la de "Empreiteira". Se for menino, chamo de "OS". Se morar aqui no Rio, terá futuro garantido...

 

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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